quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A consciência é um fenômeno quântico?


Por mais forçada que tal especulação possa parecer, ela tem sido seriamente considerada por vários pesquisadores nos últimos anos.A motivação para essa abordagem, grosso modo, é que como a consciência é uma coisa misteriosa, e os fenômenos quânticos também o são, então esses dois mistérios poderiam estar ligados. O presente trabalho, ainda em fase preliminar, é um estudo dos diferentes argumentos utilizados para defender tal ligação, e das diferentes linhas de pesquisa em neurociência que fazem uso de considerações da física quântica.Veremos que a questão de se a consciência é um fenômeno quântico é basicamente uma questão empírica, ainda em aberto, mas que uma formulação precisa desta questão requer esclarecimentos filosóficos relativos às definições de "consciência" e de "fenômeno quântico".


Vamos nos colocar dentro do contexto do materialismo, e supor que estados e processos conscientes são idênticos a certos estados e processos fisiológicos.Neste contexto, existe um debate em psicologia que gira em torno do funciona¬lismo ("strong AI"), que defende que a mente depende apenas da estrutura dos processos cerebrais, e não de sua realização física. Assim, em princípio, um computador poderia ter consciência, ou mesmo uma sociedade poderia ter uma consciência própria, desde que os elementos destes sistemas satisfizessem certas propriedades estruturais, ainda não conhecidas pela ciência. A mente seria como um programa de computador.
A tese de que o problema mente-corpo só poderá ser esclarecido quando for levado em conta a natureza quântica do cérebro tem sido usada como um argumento anti-funcionalista. Esta posição defende que existe algo nos detalhes dos processos fisiológicos da mente que é essencial para a consciência. Talvez esse "algo" seja um processo quântico! Se isto for verdade, então computadores feitos com chips convencionais e sociedades humanas não poderão ter consciência.

Modelo de Eccles e Beck - Sir John Eccles, ganhador do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1963 e autor, com Karl Popper, do livro The Self and Its Brain, propôs um modelo, posteriormente aperfeiçoado em parceria com Frederick Beck, físico teórico, pelo qual efeitos quânticos ocorreriam nos terminais sinápticos dos neurônios e seriam moduladores das funções cerebrais. O mecanismo central estaria relacionado à exocitose, processo pelo qual as moléculas neurotransmissoras contidas em minúsculas vesículas são expelidas através da passagem sináptica entre neurônios.
Por esse modelo, a chegada de um impulso nervoso ao terminal de um axônio (prolongamento tubular através do qual os neurônios se comunicam) não induziria invariavelmente as vesículas a expelirem seus neurotransmissores através da sinapse, como se pensava. Isso seria controlado por uma espécie de "gatilho quântico", associado a transferências de elétrons através de um fenômeno denominado tunelamento, que promoveria alterações conformacionais nas membranas controladoras do mecanismo de deliberação de neurotransmissores. Com isso, efeitos quânticos seriam os controladores efetivos de toda a dinâmica cerebral, embora não fique claro como é que tal mecanismo implicaria na emergência da consciência.
Modelo de Hameroff-Penrose - Dois dos principais propositores da Consciência Quântica são Stuart Hameroff, médico, e Roger Penrose, físico-matemático de Oxford que atua na área de Cosmologia e Gravitação e foi ganhador do prêmio Wolf juntamente com Stephen Hawking. Ao final da década de 80, Penrose lançou um livro muito instigante, A Mente Nova do Imperador, que causou sensação e foi o responsável por muito da discussão a respeito de consciência e efeitos quânticos que se seguiu. Nesse livro, ele elabora extensas discussões a respeito dos seguintes pontos:
• O pensamento humano não é algorítmico (é não-computacional);
• Os únicos processos não-algorítmicos no Universo são os processos quânticos;
• Não existe atualmente uma Física Quântica completa, mas está faltando uma Teoria Quântica da Gravitação;
• O advento dessa nova teoria seria o passaporte para se formular um modelo quântico para a consciência.
Anos mais tarde, Penrose, em parceria com Hameroff, formulou um modelo um pouco mais específico, procurando localizar as estruturas cerebrais onde ocorreriam os tais efeitos quânticos. Nesse modelo, eles principiam por correlacionar certas características da psique com atributos de sistemas quânticos. Por exemplo:
• A sensação de um self unitário (the binding problem) - isso é atribuido a coerência quântica e não-localidade;
• Livre arbítrio - decorrência de um processo randômico, não-determinístico; teria a ver com indeterminação quântica;
• Intuição - processamento não-algorítmico, computação via superposição quântica;
• Diferença e transição entre estados não-conscientes e consciência - colapso da função de onda.
A idéia deles é que a consciência poderia "emergir" como um estado quântico macroscópico a partir de um certo nível crítico de coerência de eventos acontecendo em certas estruturas subneurais, denominadas microtubulos, que compõem o esqueleto neuronal. Os ingredientes essenciais do modelo são os seguintes:
• Coerência quântica e auto-colapso da função de onda são essenciais para a emergência de consciência e isto acontece nos microtubulos;
• Tubulinas, subunidades dos microtubulos, são acopladas por eventos quânticos internos e interagem cooperativamente entre si;
• Deve ocorrer coerência quântica entre tubulinas através de um bombeamento de energia térmica e bioquímica, provavelmente a la Fröhlich;
• Durante o processamento pré-consciente, ocorre um processo de computação/superposição quântica nos microtubulos, até que um auto-colapso acontece em função de efeitos relacionados à Gravitação Quântica;
• O auto-colapso resulta em "estados clássicos" de tubulinas que então implementam uma determinada função neurofisiológica;
• Conexões via MAPs (microtubule-associated proteins) sintonizam e "orquestram" essas oscilações quânticas.

Não existe evidência concreta, ainda, de que a física quântica seja necessária para explicar a consciência. O modelo de Fröhlich e a hipótese de que os microtúbulos tenham uma função cognitiva são bastante interessantes, e merecem ser investigados mais a fundo. Mas quanto às declarações de que tais hipóteses foram confirmadas, conhecemos bem a dinâmica da ciência para não nos deixarmos levar facilmente por tais promessas. Este é um campo em que os pré-julgamentos filosóficos possuem bastante peso.E mesmo que tais hipóteses se confirmem, permaneceria a questão de se a consciência, a ser caracterizada de maneira precisa, faria uso de maneira essencial das características quânticas dos processos cerebrais.

http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/quantico.htm
http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica14.htm

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