quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O que é a felicidade?


Será que a ciência pode mensurar esse sentimento tão desejado?

Por muito tempo, a felicidade foi tratada como uma sensação intangível, tema da filosofia e da arte – e não da ciência . Acontece que , nos últimos anos, a união entre psicólogos, economistas e neurologistas turbinaram a chamada “ciência da felicidade”, um novo campo que promete revolucionar a ciência nas próximas décadas.

Como os neurologistas já conseguem identificar quais áreas do cérebro são acionadas quando sentimos prazer, os pesquisadores conseguem cruzar esses dados com as respostas das entrevistas, passando a contar com um panorama muito mais confiável sobre o tema. Mas como defini-la?


“Felicidade é sentir-se bem, gozar a vida”, diz o economista britânico Richard Layard, autor de A Ciência da Felicidade. Considerado uma das maiores autoridades no assunto, ele ficou famoso por levantar uma questão curiosa: o aumento de renda de países não foi seguido do aumento do grau de felicidade dos seus cidadãos.

De acordo com Layard e outros pesquisadores, isso acontece por dois motivos. O primeiro é o fato de que o que torna uma pessoa mais feliz não é o aumento da renda em si, mas o aumento em comparação aos seus colegas. Uma pesquisa na Universidade Harvard, nos EUA, mostrou que a maioria dos alunos preferiria receber US$ 50 000 se os outros ganhassem a metade desse valor, em vez de receber US$ 100 000 se os outros ganhassem US$ 200 000. O segundo estaria em nossa capacidade de nos adapta r ao novo padrão.

Mas, se a riqueza não traz felicidade, o que traz? Se você pensou em saúde, juventude, um QI alto, um bom casamento, dias ensolarados ou ter uma crença religiosa, saiba que tudo isso ajuda. Mas, de acordo com pesquisa realizada em 2002 pela Universidade de Illinois, também nos EUA, as pessoas com alto nível de felicidade são aquelas que têm mais capacidade de fazer amigos e manter fortes laços afetivos com eles. Um hábito simples e gratuito.

Por Rodrigo Cavalcante

http://super.abril.com.br/revista/240a/materia_especial_261548.shtml?pagina=1
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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

The Matrix



De todos os filme que já assisti Matrix é sem duvida o que considero como "o melhor", é uma mistura perfeita de ficção científica em um futuro apocalíptico, muita ação, filosofia e religião, para aqueles que preferem ficar em um estado de repouso é apenas um filme de ação, mas, para os que procuram despertar sua consciência é uma rica aula de filosofia.

Sempre que assisto novamente algum dos filmes da trilogia descubro algo de novo, nesta complexa obra, que parece imitar a vida.

Uma cena que me chamou a atenção é a de Cypher, quando esta saboreado um refeição ilusória criada pela Matrix, e aceita trair os companheiros rebeldes e entregar seu líder Morpheus, em uma alusão a Judas, ele diz “Ah, a ignorância é uma dádiva”, isso de certa forma reflete muito do nosso mundo onde, “Buscar a verdade é uma opção, assim como viver na ignorância também é”




Algumas curiosidades sobre o Matrix:


Neo (novo) é um anagrama de One (um) e de Eon (variante de Aeon, "eterno").

Morpheus (deus grego do sonho).

Nabucodonosor,Logos e Osiris, são nomes de naves humanas em Zion. Nabucodonosor foi o principal rei da Babilônia responsável por destruir Jerusalém e atormentado por sonhos. Osiris é a divindade egípcia e rei supremo dos mortos. Logos, desde o significado grego para ?razão? até ?palavra? nos estudos judaicos. É a força que rege o universo.

No começo do filme quando Choi e DuJour ("choix du jour", "a escolha do dia" em francês) vêm visitar Neo, ele é saudado com as frases: "Aleluia! Você é o meu salvador, o meu Jesus Cristo pessoal! Você não existe", prenunciam a verdadeira identidade do herói, e depois de Neo falar do "sentimento que faz você não ter certeza se está sonhando ou acordado", Choi responde que acha que Neo "precisa se desplugar".

O Oráculo é uma referência direta ao Oráculo de Delfos, da mitologia grega. Delfos significa "útero" em grego.
Na sala de espera do Oráculo tem dois quadros que dizem: "Conhece a ti mesmo" e "Nada em excesso", que eram as frases que estavam escritas no pórtico do Oráculo de Delphos (templo Grego onde as Pitonisas profetizavam).

O próprio nome “matrix” traz em si inúmeras mensagens. Matrix é matriz, mãe e num sentido mais secreto ainda poderia ser visto com a junção das palavras Maya e Trix que em sânscrito significam “ilusão” e “três” respectivamente, fazendo assim alusão aos 3 véus, ou às 3 ilusões (ilusão física, psíquica e espiritual) que no hinduísmo são os véus que ocultam a verdade.

Trinity – Em inglês trinity significa trindade e no filme a trindade formada por Neo, pela própria Trinity e Morfeu tem a missão da salvação da humanidade. Note-se que nas trindades de várias religiões e tradições há a figura feminina.

O nome de Neo na Matrix que é Thomas, que em inglês seria Tomé que biblicamente é aquele que só acredita naquilo que vê.

A cidade onde os poucos humanos acordados vivem que é Zion, que em inglês significa Sion, a cidade bíblica onde Moisés recebeu os mandamentos de Deus.

A Oráculo diz que Neo não é o Escolhido, mas que possuía o Dom - talvez em uma outra vida ele seria. Pois bem, antes de Neo demonstrar ser o Escolhido, ele 'morre', ressurgindo como o predestinado.

O filme Matrix utiliza em inúmeras passagens os mitos contidos nas principais religiões, como por exemplo o cristianismo: Neo é o redentor. Neo é a verdade. Neo representa a vida. Neo ressuscita. Outra situação com o simbolismo do cristianismo é que Neo é gerado metaforicamente para a vida real por Trinity, que é quem lhe apresenta a vida real ainda na Matrix, como um período de gestação, personificando o papel mítico de Maria. Outra
alusão ao cristianismo é o papel de Morfeu que antecede Neo e que o anuncia, assim como fez João Baptista ao anunciar o Cristo.

Confira os números dos quartos onde Trinity e Neo se encontram, em determinados momentos do filme. Quando os policiais tentam prender Trinity, na seqüência inicial do filme, a moça está no quarto 303 (trinity=trindade). Já Neo, que é considerado 'O Escolhido' (The One, ou seja: Um), mora no apartamento 101


Frases:

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Morfeu: "Você já teve um sonho, Neo, em que você estava tão certo de que era real? E se você fosse incapaz de se acordar desse sonho? Como saberia a diferença entre o mundo do sonho e o real?"

Morfeu: “O que é real? Como define real? Se você está falando do que pode ser cheirado, provado e visto, então real é simplesmente um sinal elétrico interpretado pelo seu cérebro “

Depois de muito refletir, Descartes chegou à conclusão deste enigma em sua famosa frase “Penso, logo existo”, na qual encerra o pensamento de que é impossível duvidar da própria experiência consciente – e que ninguém pode duvidar de sua existência como ente pensante. Quanto aos enganos que os sentidos podem nos pregar, que ele me engane o quanto quiser, nunca me obrigará a ser nada, desde que eu pense que sou alguma coisa. Para cada um de nós, a consciência é indubitavelmente real, seja qual for a realidade externa que ela pareça nos apresentar. Mas longe de ser uma unanimidade, as idéias de Descartes não são aceitas por todos e até hoje reina a dúvida quanto à pergunta Como saber se vivemos no sonho ou na realidade?

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Neo: O que é Matrix?
Morfeu: Você quer saber o que é Matrix? Matrix está em toda parte [...] é o mundo que acredita ser real para que não perceba a verdade.
Neo: Que verdade?
Morfeu: Que você é um escravo, Neo. Como todo mundo, você nasceu em cativeiro. Nasceu em uma prisão que não pode ver, cheirar ou tocar. Uma prisão para a sua mente.

Referência óbvia é a Alegoria da Caverna, um dos pontos centrais de A República, de Platão - o texto inicial do pensamento ocidental, de acordo com Platão, nós seríamos esse povo que vive na caverna, presos pelas amarras das aparências que não refletem a verdadeira realidade do mundo. Para solucionar essa questão, Platão propôs que somente através da filosofia, educação e iluminação o ser humano pode atingir a realidade verdadeira do mundo. E assim, com este pensamento, foi um dos responsáveis por criar aquilo que hoje conhecemos como Ciência.

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Morfeu conduzindo Neo até o Oráculo: “Só posso lhe mostrar a porta. Você tem de atravessá-la”
Há uma grande diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho -> Aqui a lição de que a verdade é uma busca individual. Ninguém pode nos dar a verdade. Nós temos que buscá-la. Outro detalhe importante nesta cena é que a porta é guardada por um cego, ou seja, sendo cego ele não vê as ilusões e por isso pode guardar a verdade que é representada pelo Oráculo.

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Quando Neo vai consultar o oráculo, ele encontra um menino em trajes budistas que consegue entortar colheres sem tocá-las. Observe no diálogo o que é a "verdade":

Menino: Não tente dobrar a colher. Não vai ser possível. Em vez disso, tente apenas perceber a verdade.
Neo: Que verdade?
Menino: Que a colher não existe.
Neo: A colher não existe?
Menino: Então verá que não é a colher que se dobra, apenas você.


Para a série Matrix, a "verdade" é que tudo é niilismo e ficamos sem saber quem é o Criador e quem é a criatura.

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MATRIX RELOADED: PERSONAGENS
O chaveiro: Atente pra um detalhe, por que vc acha que o chaveiro era um oriental?Há uma razão nisso. E bastante clara. O conhecimento perdido, depois que Atlântida se dividiu entre nações. Uma delas é a nação oriental. Daí advém as "chaves" para a o "mainframe" através da mente (Budismo, Confucionismo) e do corpo (Reiki, Shiatsu, Do-in, Acupuntura, entre outros). O Merovíngeo, na verdade, não aprisiona o chaveiro, apenas o guarda, como garantia de que o conhecimento não seja transformado em outra coisa que não aquilo para o qual foi escrito. As chaves eliminam o tempo e o espaço, ou, pelo menos, a consciência de eles existem de fato.
O chaveiro diz que a porta para o Mainframe (Deus) ficará acessível por exatamente 314 segundos. Isso pode ter relação com o número Pi e com a Guematria, onde 314 é um dos nomes de Deus (El Shaddai).

Seraph: Esse nome deriva do hebreu srphe e significa "abrasador" ou "queimar completamente". É interessante notar que a função dele no filme é a de um firewall (muro de fogo, em inglês) para proteção da Oráculo. É o mesmo nome dos anjos Seraphim (IM em hebraico é plural) que, segundo o conceito hebraico, não é apenas um ser que "queima", mas "que se consome" no amor à Deus. Daí o fato dele aparecer com os códigos diferentes, como se estivessem em brasa!

Merovíngeo: Há toda uma linhagem de Reis da França pertencentes a esta "tribo" que o Vaticano matou. O último rei Merovíngeo foi Dagoberto II. É dito que os Merovíngeos seriam descendentes diretos de Madalena - e Jesus. Filhos de Notre Dame, descendentes no exílio, herdeiros de Jerusalem (Zion?), que até hoje tentam recuperar seu reinado e ocupar uma "terra prometida". A perda do direito de passar a tradição esotérica se deu entre os Merovíngeos quando houveram casamentos armados e a imposição da igreja. Restou tão somente a aparência, assim como nosso personagem do filme.

Persephone: Era a esposa de Hades e uma rainha da Intuição.
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Um comentário que em minha opinião tem muito haver com o Filme.
O ser humano vivencia a si mesmo, os seus pensamentos como algo separado do resto do universo, numa espécie de ilusão de óptica da sua consciência. E essa ilusão é uma espécie de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais, conceitos e ao afeto por pessoas mais próximas. A nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza. Ninguém conseguirá alcançar completamente esse objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte da nossa liberação e o alicerce da nossa segurança interior. ( Albert Einstein )
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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Riqueza no mundo.


Com base em 2007.

Os 2% mais ricos entre os adultos da população mundial controlam mais da metade da riqueza do mundo, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Mundial para Pesquisa sobre a Economia do Desenvolvimento (Wider), ligado à Universidade da ONU (UNU). De acordo com a pesquisa, a parcela do 1% mais rico controla 40% da riqueza global; os 10% mais ricos controlam 85%.

Em contraste, os 50% mais pobres controlam apenas 1% da riqueza. O estudo é o primeiro de seu tipo a cobrir todos os países do mundo e todos os principais componentes da riqueza pessoal, entre eles ativos financeiros, dívidas e propriedade imobiliária. "Nós usamos o termo riqueza em seu sentido usado há bastante tempo, de patrimônio líquido: o valor dos ativos físicos e financeiros, menos as dívidas.

Nesse sentido, riqueza significa a propriedade do capital. Embora o capital seja apenas uma parte dos recursos pessoais, acredita-se que ele tenha um impacto desproporcional no bem-estar das famílias e no sucesso econômico, e, mais amplamente, no desenvolvimento e no crescimento econômicos", disseram os co-autores do estudo, James Davies, da Western Ontario University (Canadá), Anthony Shorrocks e Susanna Sandstrom, do Wider/UNU, e Edward Wolff, da New York University.

Segundo a pesquisa, bastam ativos no valor de US$ 2.200 para um adulto ser colocado entre os 50% mais ricos; para estar entre os 10% mais ricos, são necessários ativos no valor de US$ 61 mil; mais de US$ 500 mil são necessários para estar entre os 37 milhões de pessoas que compõem o clube do 1% mais rico.
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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

+Trabalho +Dinheiro +Stress


Tempos modernos

O expediente das 8 às 5, grande conquista do sindicalismo, já era. Empurradas pela concorrência, as pessoas estão trabalhando cada vez mais

Getúlio Vargas: seu governo instituiu a semana de trabalho de 48 horas, o descanso semanal remunerado e o direito a férias

Com o avanço da mecanização e da computação nas empresas, somado às crescentes conquistas sindicais, imaginou-se, em meados do século XX, que no fim dele as pessoas trabalhariam cada vez menos e disporiam de um tempo maior para o lazer, as artes, a natureza e a família. Sonho futurista, como aquele segundo o qual os automóveis voariam. As pessoas estão trabalhando cada vez mais, dispõem de menos tempo para o lazer e ficaram mais estressadas. Isso acontece tanto em países desenvolvidos, como Estados Unidos, Austrália e Japão, como também – ou melhor, mais ainda – em nações em desenvolvimento que aspiram ao primeiro escalão, sobretudo Brasil, Chile e os chamados Tigres Asiáticos. O último levantamento do Bureau of Labor Statistics, o órgão do governo americano que coleta esse tipo de dado, mostra que em janeiro de 2000 a média nacional de horas trabalhadas nos Estados Unidos era de quarenta por semana, e no Vale do Silício, a capital do ultra-industrioso ramo da informática, ela bate em sessenta horas. No diligentíssimo Japão, trabalha-se, em média, 39 horas semanais (aí computado, lembre-se, todo tipo de trabalho, inclusive os de meio período ou menos).

O motor é o desemprego – No Brasil, dados levantados pela pesquisa mensal de emprego do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que a média de horas trabalhadas bateu nas 41 por semana no final dos anos 90, contra 39 do começo da década. Parece pouco, mas não é. Duas horas por semana significam oito ou dez a mais por mês, cerca de 100 horas por ano. Um salto enorme para um prazo tão curto, que coloca o Brasil em oitavo lugar em horas trabalhadas por ano no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (atrás dos Estados Unidos no cômputo anual, porque tem mais férias e feriados). Outro levantamento nacional do IBGE revela dados ainda mais impressionantes. Eles mostram que 71% da população brasileira economicamente ativa trabalha mais de quarenta horas por semana, sendo que para 39% a jornada é de pelo menos 45 horas. Como é que um século chega à metade celebrando como conquista a luta de sindicatos no mundo inteiro para reduzir jornadas fatigantes e termina com boa parte da população trabalhando cada vez mais?

A explicação dos especialistas, vejam só, é a diminuição crescente do emprego confortável do passado, aquele que durava por toda a vida útil e exigia pouco do funcionário. Numa simplificação de um processo intrincado, a economia globalizada da última década, principalmente, pôs contra a parede empresas lotadas de mão-de-obra habituada ao padrão oito-às-cinco. Lançadas numa competição feroz, adotaram a prática do melhor resultado ao menor custo possível. Instauraram-se o downsizing, a terceirização, a reengenharia – processos que levam à redução de pessoal. Quem ficou teve suas obrigações aumentadas e passou a trabalhar muito mais, não só para dar conta do recado como para não perder, ele também, a vaga. Quem saiu procurou alternativas menos rentáveis e mais cansativas, como ocorreu no Brasil na busca de brechas no mercado informal. "Em particular, o processo de enxugamento no país pôde ser visto com mais clareza no caso das empresas que foram privatizadas", diz Sérgio Mendonça, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). "As ex-estatais deixaram de ser cabide de empregos e passaram a exigir muito mais de um quadro de funcionários menor", afirma Mendonça.

Mais conforto, mais produção – A taxa de desemprego brasileira gira hoje em torno dos 8%, e a experiência de viver numa economia que sobe e desce deixa todo mundo com medo do futuro. Mas até nos Estados Unidos, onde a taxa de desemprego está em parcos 4%, o motor que impulsiona as longas jornadas é o mesmo. "Apesar de o índice de desemprego estar baixo nos últimos três anos, o americano morre de medo de ir para o olho da rua", explica Barry Bluestone, professor de política econômica da Universidade de Massachusetts e membro da equipe que assessora o todo-poderoso Alan Greenspan, presidente do banco central americano. "Na última década, mais de um quarto da população experimentou pelo menos um ano de subemprego, trabalhando menos de 35 horas semanais. A inflação está baixa, os economistas riem à toa, mas o americano não esquece o que passou e prefere se esforçar e trabalhar muitas horas, para não ser dispensado."

Já se trabalhou muito mais, é fato. Na Inglaterra pós-Revolução Industrial, o normal era o operário esfalfar-se no mínimo sessenta horas por semana, sem descanso remunerado. No começo do século XX, reduzir essa jornada tornou-se o objetivo número 1 dos sindicatos. Em 1938, estabeleceu-se a jornada de quarenta horas nos Estados Unidos. Em seguida, foi a vez de a Inglaterra adotar o mesmo limite e batizá-lo, instituindo-se a "semana inglesa". No Brasil de Getúlio Vargas, os trabalhadores ganharam direito a férias, descanso semanal remunerado e jornada de 48 horas. O forte movimento sindical dos anos 80 conseguiu implantar na Constituição de 1988 o teto de 44 horas de trabalho por semana. Na época, ainda se pensava que o futuro era trabalhar cada vez menos e ganhar cada vez mais. Nada disso aconteceu. Os movimentos sindicais perderam força, a produtividade ideal aumentou vertiginosamente e a tecnologia, embora tenha de fato diminuído alguns afazeres, aumentou outros.

De tanto ocupar a maior fatia da vida de seus funcionários, as empresas estão virando uma extensão de sua vida particular. Dentro do escritório, ou em áreas adjacentes, é possível aprender inglês, judô, artesanato e pintura, com patrocínio da firma. Namora-se nas cafeterias da empresa. Almoça-se na vizinhança para perder menos tempo. Há companhias que já oferecem serviços como dar assistência na compra de ingressos para o teatro. Agências bancárias internas são rotina nas grandes firmas. Algumas têm salão de beleza e academia de ginástica. Por mais surpreendente que pareça, já começam a aparecer aquelas que reservam um lugar para a soneca dos funcionários depois do almoço. O ânimo guerreiro dos velhos sindicatos de dar cada vez menos tempo e exigir cada vez mais salário da organização entrou em decadência vertiginosa. As pessoas querem carreira, salário ascendente, benefícios. Se for preciso trabalhar mais, por que não?

Em um bom número de países desenvolvidos as longas jornadas não são toleradas. O aumento das horas trabalhadas, então, nem pensar. É o que acontece nos países europeus de tradição social-democrata. A França está tentando conter o desemprego pela diminuição, por força de lei, da jornada de 39 para 35 horas semanais. Os franceses esperam criar novos postos de trabalho com essa estratégia. Pelo visto, vão esperar sentados. "É uma ilusão", comenta o sociólogo Jean-Louis Laville, autor de Uma Terceira Via para o Trabalho. "Apesar de estar vivendo uma fase de crescimento econômico, a França não consegue criar empregos. No lugar de impor regras, o governo deveria deixar o próprio mercado absorver a mão-de-obra à medida que precisasse", argumenta. A própria França já deveria ter aprendido que essa tentativa não funciona. Em 1982, os franceses reduziram a jornada de 42 para 39 horas semanais para combater o desemprego, que batia em 8%. O índice saltou para 12%, um dos mais altos da Europa. Na última década, enquanto na França só 3% dos postos de trabalho podem ser considerados novos, em países campeões de jornada, como os Estados Unidos e a Nova Zelândia, o porcentual de empregos novos é de 13% e 21%, respectivamente.

Os alemães ainda tiram seis semanas de férias por ano, além de inúmeros feriados e folgas no Natal e no Ano-Novo. Em alguns países escandinavos, o dia útil termina na sexta-feira na hora do almoço. Mas os especialistas acreditam que a competição acirrada com americanos e asiáticos, principalmente, e com a própria Europa Oriental (a República Checa está em sexto lugar entre os países com jornadas mais longas) vai no mínimo abalar a ordem das coisas nas fábricas e nos escritórios europeus. "Os trabalhadores alemães e franceses estão se esquecendo da velha equação de que tempo é dinheiro", argumenta Richard Freeman, professor de economia na Universidade Harvard. "Eles podem querer manter as noites e os finais de semana livres. Mas, se quiserem manter também o emprego, terão de ser mais produtivos, ou aceitar um contracheque menor."

Salários mais baixos – Já na Inglaterra, a nação européia ocidental mais varrida pelos ventos liberalizantes e globalizantes das últimas duas décadas, a coisa é diferente. Lá, a jornada média é de quarenta horas e o número de horas extras disparou: em 1988, pouco mais de 10% dos trabalhadores ficavam além do expediente tradicional até as 5 da tarde. Em 1998, eram quase metade do total os que ultrapassavam o expediente burocrático. "O que leva a esse comportamento é a falta de oportunidades de trabalho, em decorrência da reformulação geral das empresas", explica Susan Harkness, professora da London School of Economics (LSE). Segundo seus estudos, cerca de 60% dos ingleses dizem que trabalham mais do que deveriam porque não vêem chance de encontrar outro emprego. "Muitos têm certeza de que seus chefes os exploram porque sabem desse temor", conta Harkness.

A empresária Terezinha: interferência em tudo, "da criação ao comercial", e falta de tempo para um cafezinho com o marido, que também trabalha na empresa

O mesmo debate, que põe de um lado a turma do "menos horas, mais postos de trabalho" e de outro a do "quando mais se regula, menos emprego se cria", ocorre neste momento no Brasil. Sindicatos de diversas categorias lutam para reduzir a jornada legal de 44 para quarenta horas e, dessa forma, intervir num sistema que, informalmente, predomina nas indústrias brasileiras: o chamado banco de horas. Quando o período é de vendas fracas, parte dos trabalhadores fica em casa, e essas horas de descanso vão para um "cofrinho". Quando a produção se acelera, todo mundo trabalha além da jornada, sem ganhar a mais porque as horas extras são descontadas da tal poupança. Resultado: evitam-se dispensas, mas também não há contratações. "Com um crescimento econômico anêmico, uma legislação trabalhista que não possibilita negociações e pessoal mal qualificado, o empresário não quer contratar gente nova", explica o economista José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP). "Mesmo em recessão, quando precisa produzir mais, ele opta pela hora extra. Daí o Brasil ter uma jornada longa sem, necessariamente, estar vivenciando o crescimento econômico americano." Outro setor que mantém longas jornadas, sem que isso reflita pujança econômica, é o informal. "O taxista, o encanador, aquele sujeito que trabalha por conta própria, todos devem estar dedicando o dobro de tempo ao batente", analisa José Paulo Chahad, também economista e professor da USP. "Eles precisam ficar muito mais horas disponíveis, à espera de um cliente, para manter o nível de renda de antigamente. Se houvesse gente batendo à sua porta, eles poderiam ter um horário fixo, ter a mesma renda e só trabalhariam mais se quisessem um extra."

Não é só o esforço para manter o emprego que faz com que brasileiros, americanos e asiáticos trabalhem tanto. Salário, como se sabe, conta muito. "Não é coincidência que dois campeões da desigualdade de renda, Brasil e Estados Unidos, tenham jornadas maiores", avalia o professor Bluestone. "Ganhar pouco força as famílias de baixa renda, que representam a maioria da população, a trabalhar mais, o que não acontece na Europa, onde a distribuição de renda é mais igual. Quanto maior a desigualdade, maior a jornada." De acordo com dados do IBGE, o rendimento médio mensal do trabalhador brasileiro era de 5,13 salários mínimos em 1991. Em 1999, havia baixado para 4,67. "A grande maioria dos trabalhadores brasileiros, que tem baixa qualificação, trabalha muito porque ganha e produz pouco", analisa o economista Marcio Pochmann, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. "Outros trabalham muito porque são qualificados e podem ganhar mais pelo tanto que produzem. O resultado é que todo mundo encontra motivo para trabalhar muito."

Na ponta dos que são qualificados e ganham pelo resultado que apresentam, os executivos têm destaque. Segundo pesquisa feita pelo Grupo Catho, empresa de consultoria de São Paulo, no Brasil a jornada média dessa categoria é de 54 horas semanais (a americana é de cinqüenta horas), sem contar o trabalho dos fins de semana e o que levam para casa todo dia, depois do expediente. Entre esses profissionais, ganhar muito dinheiro é motivação disseminada, mas não a única. Também contam o desafio, o poder, o reconhecimento. Tanto que não adianta apenas passar horas na frente do computador; tem de saber usar bem o tempo de trabalho. "Antes, a pessoa ficava no escritório o suficiente para impressionar, já que os empregos eram quase vitalícios", comenta Winston Pegler, da Ray & Berndtson Consultores Gerenciais. "Hoje, o executivo trabalha muito porque sabe que, se fizer mais, vai sobressair e novas oportunidades irão aparecer." O padrão se repete inclusive em quem toca negócio próprio. Marcos Zylberstajn, 69 anos, que fez a vida como comerciante, sente orgulho do filho engenheiro, Rogério, que, aos 39, é dono de uma construtora. Mas não entende por que ele tem de ser tão ocupado. "Sempre trabalhei muito, mas viajava com a família nas férias e, nos finais de semana, o levava ao Maracanã", conta. Rogério, por sua vez, encara jornadas diárias de doze a catorze horas e nem família tem – é solteiro, por falta de tempo. "Minha vida pessoal se confunde com a profissional", diz.

Os Zylberstajn: Marcos, comerciante aposentado, espanta-se com o ritmo de trabalho de doze a catorze horas por dia do filho, o empreiteiro Rogério

Nessa nova cultura de trabalhar muito, ganhar muito e subir muito na vida, o desejo de consumo é outro fator preponderante. As pessoas estão trabalhando mais, também, para poder comprar mais. Em 1991, a economista Juliet Schor, de Harvard, escreveu um livro que se tornou uma espécie de bíblia do assunto. Em The Overworked American: the Unexpected Decline of Leisure (Americanos Trabalham Demais: o Inesperado Declínio do Lazer), ela calculou que os americanos estavam trabalhando 163 horas a mais por ano do que em 1970. Intrigada com o tamanho da importância do consumo na vida daqueles trabalhadores superocupados, partiu para nova pesquisa, tentando esclarecer os motivos de tanto compra-compra. O resultado é outro livro, publicado em 1998, The Overspent American: Why We Want what We Don't Need (Americanos Compram Demais: por que Queremos o que Não Precisamos). Nele, Schor culpa a televisão, principalmente, por impor valores e vender símbolos de status que influenciam o americano a ser um povo que gosta de gastar, não de poupar – uma definição que cabe, sem tirar nem pôr, nas fronteiras do Brasil que tem dinheiro para ir às compras. Já o alucinado ritmo de trabalho dos chamados Tigres Asiáticos, campeões imbatíveis em horas trabalhadas no levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tem explicação diversa. "O sucesso econômico de países como Coréia do Sul, Tailândia, Malásia e Cingapura é, em grande parte, atribuído à atuação do Estado, que estimulou o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, manteve um sindicalismo fraco", explica o cientista político Alexandre Uehara, pesquisador visitante da Universidade de Sophia, em Tóquio. "Isso, aliado à disciplina oriental, legitimou a autoridade e o intervencionismo estatal e possibilitou a manutenção de uma carga horária de trabalho muito extensa."

Escritório em qualquer lugar – Seja lá qual for o motivo, trabalha-se muito hoje em dia. Mais: trabalha-se por princípio, por compulsão, porque "é assim e pronto". A mineira Terezinha Santos, 43 anos, dona da grife Patachou, passa doze horas por dia no escritório, bem mais que nos duros tempos em que começava seu negócio. "Coloco o dedo em tudo, da criação ao comercial, e me sinto realizada", diz ela, que mal tem tempo de tomar um cafezinho com o marido, Marcos, diretor financeiro da marca. Até os filhos, que, a princípio, teriam todos os motivos para reclamar das longas jornadas de trabalho dos pais, estão aderindo à nova atitude e passando a encará-la como coisa normal. Uma pesquisa feita pelo Families and Work Institute, de Nova York, com mais de 1.000 crianças e adolescentes americanos, mostra que apenas 10% gostariam de ficar mais tempo com a mãe e 15% com o pai, só 20% acham que os pais trabalham demais e 50% dizem que pai e mãe têm de trabalhar muito mesmo, para bancar as despesas da família.

O diretor de marketing Marinho: um escritório na mala, com fax, celular, notebook, scanner e máquina fotográfica digital, para permanecer conectado à empresa durante viagens pelo país inteiro

No entanto, 60% reclamam do fato de os pais chegarem estressados em casa. Stress, muito mais que excesso de trabalho, é a grande queixa de quem se dedica a longas jornadas. Na Inglaterra, seis em dez trabalhadores apontam o stress, e não a falta de tempo para a família ou para o lazer, como a pior conseqüência de trabalhar muito. No Brasil, pesquisa feita pela consultoria Deloitte Touche Tohmatsu mostra que 50% dos executivos brasileiros têm a mesma reclamação. Em 1997, 60% dos americanos disseram que nunca pareciam ter tempo suficiente para fazer tudo o que era preciso no trabalho. Vinte anos antes, apenas 40% tinham a mesma queixa. A bordo de seu notebook com acesso à rede da empresa, Luiz Alberto Marinho, 40 anos, diretor de marketing da Comapps, maior administradora de shopping centers no país, aprova campanhas publicitárias e autoriza novos projetos estando em um hotel em Manaus ou dentro de um avião. Como passa metade do mês viajando, ele montou um escritório móvel composto de notebook, celular, fax, máquina fotográfica digital e scanner. "Minha jornada diária chega facilmente a onze horas", constata.
Isso quer dizer que está todo mundo infeliz e descontente? De jeito nenhum. Depois de um estudo de três anos com as 500 maiores empresas americanas, a socióloga Arlie Hochschild, da Universidade de Berkeley, descobriu que, mesmo quando a companhia oferece condições para seus funcionários irem embora mais cedo, a maioria prefere ficar. Eles gostam da camaradagem do escritório e do reconhecimento que lá recebem. Mais ainda: preferem trabalhar no escritório a enfrentar as obrigações domésticas. Nos Estados Unidos, o Viciados em Trabalho Anônimos, grupo que segue o padrão dos Alcoólicos Anônimos, registra o menor índice de freqüentadores nos seus dezessete anos de existência. "Tem gente que gosta tanto de trabalhar que sofre de ansiedade quando sai de férias ou se aposenta", diz Wagner Gattaz, psiquiatra da USP

http://veja.abril.com.br/050400/p_122.html
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quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Ian Stevenson - Vidas passadas


O Dr. Ian Stevenson – americano, que foi chefe da Divisão de Parapsicologia do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Virginia, EUA, num trabalho que durou mais de trinta e oito anos, pesquisou e arquivou mais de 2.600 (dois mil e seiscentos) casos, na sua maioria de crianças, que, em dado momento de suas vidas, sem uma razão muito clara para isso, passaram a dizer que tinham sido outra pessoa em outra vida diferente, lembrando-se com impressionante nitidez de fatos e situações vividas, assim como de nome de pessoas e cidades.


O psiquiatra Ian Stevenson foi a maior autoridade mundial no estudo da reencarnação com método científico. Não conseguiu provar sem sombra de dúvidas que, em nossa trajetória evolutiva, nós realmente vivemos (e morremos) muitas vezes. Mas as descobertas que fez, o imenso acervo que coletou de casos que sugerem reencarnação, o fizeram chegar a poucos passos das provas definitivas.

Em 8 de fevereiro de 2007, o estudo científico da reencarnação sofreu uma perda pesada, dessas que demoram a ser Esubstituídas. Aos 88 anos, após um longo tratamento contra a pneumonia, faleceu em Charlottesville, na Virgínia (EUA), o professor Ian Stevenson, a maior autoridade mundial nessa área. Graduado em medicina, professor de psiquiatria e diretor da Divisão de Estudos da Personalidade (atualmente, Divisão de Estudos da Percepção) da Universidade de Virgínia, ele dedicou mais de 40 anos à pesquisa da reencarnação e escreveu mais de 200 artigos e livros fundamentais sobre o tema.

Stevenson nasceu em 31 de outubro de 1918, em Montreal, no Canadá. Estudou nas universidades de St. Andrews (Escócia) e McGill (Montreal). Nesta última, graduou-se em medicina como o primeiro da turma. Antes de se fixar no Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade da Virgínia, em 1957, ele trabalhou na Faculdade de Medicina da Universidade Cornell (1947- 1949) e na Louisiana State University (1949-1957).

O interesse de Stevenson por assuntos extra-acadêmicos provavelmente teve a influência de sua mãe, adepta da teosofia. Em 1950, após um encontro com Aldous Huxley, ele se tornou um dos pioneiros no estudo médico dos efeitos do LSD. Os seus estudos na área parapsicológica incluem diversos temas, como telepatia, precognição, xenoglossia, experiências de quase-morte, aparições, mediunidade e fotografia psíquica. Mas foi com os seus trabalhos sobre a reencarnação que ele se tornou mundialmente conhecido.

Como levar um assunto tão esquivo como a reencarnação para os domínios da ciência? Stevenson concentrou- se no estudo de casos, em especial aqueles em que crianças pequenas informavam espontaneamente o que seriam recordações de uma vida passada. Em geral, essas crianças começam a dar informações sobre uma existência anterior entre 2 e 4 anos, e aos 8 já não se recordam mais do tema.

Cauteloso, Stevenson nunca afirmou que os seus melhores casos comprovavam a reencarnação, já que as ferramentas contemporâneas da ciência ainda não são capazes de flagrar esse fenômeno. Ele sempre prestou atenção aos ataques dos céticos a seu trabalho – principalmente fraude, fantasia, distorções de significado cometidas por intérpretes e metodologia sujeita a falhas – e usava as críticas pertinentes para refiná-lo. Assim, o que divulgava eram casos que, em suas palavras, “sugeriam” reencarnação. Mas as evidências que sustentam os casos selecionados constituem um ótimo ponto de partida para se refletir a esse respeito.

O PONTO DE PARTIDA – A primeira monografia de Stevenson sobre esse assunto, de 1961, foi The Evidence for Survival from Claimed Memories of Former Incarnations, na qual examinava 44 casos publicados de memórias de vidas passadas. O texto rendeu-lhe um prêmio e foi publicado pela American Society for Psychical Research em homenagem ao filósofo William James, um dos primeiros presidentes da entidade. A repercussão não parou aí: depois de ler o trabalho, a famosa médium norteamericana Eileen Garrett, co-fundadora da Parapsychology Foundation, contatou o autor e pediu-lhe para investigar o caso de uma criança indiana que dizia ter vivido antes, sob o patrocínio de sua organização. Stevenson aceitou e viajou à Índia durante as suas férias para fazer a pesquisa.

Pioneiro na pesquisa do efeito Kirlian e da transcomunicação instrumental em nosso país, o engenheiro e psicobiofísico Hernani Guimarães Andrade foi também o introdutor no Brasil da metodologia de Ian Stevenson para o estudo de casos sugestivos de reencarnação. Os dois, aliás, se conheciam pessoalmente – o pesquisador canadense veio a São Paulo em 1972, e seus arquivos abrigam casos brasileiros estudados pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofísicas (IBPP), presidido por Andrade. Os estudos do IBPP feitos segundo o modelo elaborado por Stevenson renderam os livros Reencarnação no Brasil – Oito Casos que Sugerem Renascimento (Ed. O Clarim, 1988) e Renasceu por Amor – Um Caso que Sugere Reencarnação: Kilden & Jonathan (Ed. Folha Espírita, 1995).

Enquanto isso, Chester F. Carlson, o inventor da máquina Xerox, leu o ensaio de Stevenson e foi conquistado pelo tema. Carlson passou a patrocinar o pesquisador e chegou a acompanhá-lo ao Alasca, em viagens para entrevistar membros da tribo tlingit sobre suas crenças e experiências reencarnatórias. A estada na Índia, porém, convenceu Stevenson de que a maioria dos casos merecedores de estudos nessa área estava na Ásia. Estudá-los implicaria usar um tempo e recursos de que ele não dispunha.

Carlson, porém, foi fundamental para mudar esse quadro. Passou a fazer doações anuais para as viagens e, ao morrer, em 1963, deixou US$ 1 milhão para a Universidade de Virgínia criar uma cátedra de psiquiatria a ser ocupada por Stevenson e mais US$ 1 milhão para ele continuar suas pesquisas. Foi com esse dinheiro que o pesquisador criou a Divisão de Estudos da Personalidade, o único departamento acadêmico no mundo voltado para o estudo da reencarnação, de experiências de quase-morte e de outros fenômenos paranormais.

Nesse intervalo, Stevenson começara a prestar mais atenção a um detalhe antes praticamente ignorado no grupo de meninos e meninas que afirmavam ter vivido anteriormente. Na maioria dos casos, a criança portava uma marca ou defeito de nascença que parecia endossar um fato importante de sua vida prévia – por exemplo, duas pequenas marcas circulares na cabeça em posição e dimensões semelhantes às dos ferimentos que a pretensa personalidade anterior tivera ao ser baleada naquela região do corpo. Assim como marcas associadas a tiros, havia diversas outras remetendo a ferimentos causados por armas de fogo, facas, machetes, equipamentos industriais ou por acidentes envolvendo veículos com perda parcial de membros.

"STEVENSON SEMPRE PRESTOU ATENÇÃO AOS ATAQUES DOS CÉTICOS A SEU TRABALHO"

AS OBRAS ESSENCIAIS – Ian Stevenson trabalhou por décadas uma imensa gama de material recolhido sobre esses casos em diferentes países, produzindo a partir dele muitas teses e livros. O mais importante deles, certamente, é Reincarnation and Biology: A Contribution to the Etiology of Birthmarks and Birth Defects (Praegar Publishers, 1997).

Dividida em dois volumes, cada qual com mais de mil páginas repletas de ilustrações, essa obra fundamental examina em minúcias 225 casos escolhidos entre os quase três mil disponíveis nos arquivos do autor. Lançada no mesmo ano, uma versão mais acessível aos leigos, Where Reincarnation and Biology Intersect (Praegar Publishers), contém 65 casos condensados em quase 250 páginas.

Mesmo recheadas de detalhes, essas obras não despertaram interesse significativo entre a comunidade acadêmica e o público em geral. Segundo Roy Stemman, editor do site Paranormal Review, foi provavelmente por isso que Stevenson concordou em levar o premiado jornalista Tom Shroder (então editor sênior do jornal The Washington Post) a suas últimas viagens antes da aposentadoria, entre 1996 e 1998, para examinar casos no Líbano, na Índia e no sul dos Estados Unidos. Dessa jornada resultou o livro Almas Antigas (lançado em 1999 e publicado em 2001 no Brasil pela Editora Sextante), no qual Shroder mostra não apenas detalhes de Stevenson em ação, aplicando a sua metodologia, como o lado humano dessas pesquisas, desprezado nos textos científicos.

O cuidado com os detalhes
O psiquiatra Ian Stevenson sempre foi meticuloso em seus estudos, e o tempo e as críticas o levaram a apurar cada vez mais as suas técnicas de investigação. Os seus estudos estão repletos de verificações cruzadas, tabulações de coincidências e discrepâncias nos testemunhos e discussões aprofundadas de hipóteses que poderiam explicar o caso sem a necessidade de recorrer à idéia de reencarnação.

Com o tempo, ele passou a dar mais atenção aos casos envolvendo crianças que não apenas “lembravam” o que haviam feito em sua suposta vida anterior como reproduziam características psicológicas, costumes, maneirismos e habilidades da pessoa morta. Segundo Stevenson, era probabilisticamente bem mais fácil a criança aprender a narrar fatos do que comportar-se como a pessoa de quem ela dizia ser a reencarnação. Outro detalhe importante são as marcas de nascença que combinam com a forma como as pessoas teriam morrido em sua vida anterior. Em 51% dos casos em que a existência prévia da criança foi identificada, o indivíduo sofreu morte violenta.

Com a aposentadoria de Stevenson, em 2002, a cadeira Carlson de psiquiatria da Universidade de Virgínia foi assumida por Bruce Greyson. Jim Tucker, psiquiatra infantil e professor assistente no Departamento de Psiquiatria da universidade, é quem tem dado seqüência às investigações de casos relativos à reencarnação e a outros temas parapsicológicos, com o apoio de Greyson e de outras pessoas da equipe.

A cautela de Stevenson ao trabalhar com a reencarnação fez com que pouco se conhecesse sobre as suas opiniões pessoais a respeito desse tema. Uma rara fresta nesse muro está nos parágrafos finais de um texto assinado por ele e publicado no Journal of Scientific Exploration no ano passado (vol. 20, nº 1), intitulado Half a Career With the Paranormal:

“Todos nós morremos de alguma doença. O que determina a natureza dessa doença? Acredito que a busca da resposta pode nos levar a pensar que a natureza de nossas doenças pode derivar, pelo menos em parte, de nossas vidas passadas. Os casos de crianças que afirmam lembrar de vidas passadas e que descreveram marcas e defeitos de nascença sugerem isso. Algumas dessas crianças relataram doenças internas.”

“Minha própria condição física – deficiência em meus brônquios (desde a primeira infância) (...) me deu um interesse pessoal a respeito dessa importante questão. Não deixe ninguém pensar que eu conheço a resposta. Ainda estou procurando-a.”

A VISÃO GREGA – No Ocidente, vários filósofos gregos trabalharam com a idéia da reencarnação, a começar por Pitágoras. Ele afirmava ter vivido antes como guerreiro troiano, comerciante, agricultor e prostituta. Pitágoras aceitava a idéia de que um humano reencarnasse como animal, e por isso impediu um homem de surrar um cachorro: o filósofo alegou que havia reconhecido a alma de um amigo no animal ao ouvi-lo ganir.

Platão defendia que a alma é imortal, antecede o nascimento e reencarna diversas vezes. Cada alma escolheria sua próxima vida, a partir de suas experiências nas vidas anteriores. Em sua obra Fedro, ele apresentou uma curiosa classificação em nove níveis de virtuosidade para a jornada da alma. Em vidas sucessivas, os seres transitariam por esses níveis até atingir um grau evolutivo capaz de levá-los a um reino celestial. No nível mais baixo estariam os tiranos. No quarto, os médicos e atletas. No terceiro, os políticos. No segundo, os guerreiros e reis virtuosos. Os filósofos, artistas e músicos ocupavam o topo da escala.

Discípulo de Platão, Aristóteles inicialmente adotou as idéias do mestre. Depois passou a opor-se aos conceitos de imortalidade e de reencarnação. Essa e outras concepções fizeram dele o precursor do materialismo ocidental vigente até hoje, o que não impediu que grupos de crentes na reencarnação se manifestassem desde então neste lado do mundo.

Um de seus redutos foi o cristianismo primitivo. O influente teólogo e escritor alexandrino Orígenes (185 d.C. - 254 d.C.), por exemplo, aceitava a reencarnação sem meias palavras. Num de seus textos, ele disse: “Portanto, todos os que descem à Terra, de acordo com seus merecimentos ou com a posição que ocuparam nela, recebem ordens para nascer neste mundo, em um local diferente, ou em outra nação, ou numa profissão diferente, ou com doenças diversas, ou como descendentes de pais mais ou menos religiosos ou pios, de modo que às vezes pode acontecer de um israelita retornar em pleno Egito e de um egípcio nascer na Judéia.”

No ano 400, o papa Anastácio condenou Orígenes por suas “opiniões cheias de blasfêmias”. Isso, porém, não bastou, e uma alternativa mais radical foi tomada no século 6: o Concílio de Constantinopla excomungou o teólogo e todos os que partilhavam a sua idéia de “monstruosa restauração”.

A HERESIA DAS VIDAS SUCESSIVAS – Mas as idéias reencarnacionistas continuaram a encontrar abrigo em numerosas seitas cristãs. Uma delas, a dos cátaros (“purificados”), conquistou o sul da França no século 11. Para os cátaros, as almas humanas eram espíritos caídos e as encarnações serviam-lhes como prova e expiação – existências boas davam direito a um corpo capaz de levar o ser a uma elevação ainda maior, enquanto existências ruins eram refletidas em um organismo doente e destinado a passar por outras dificuldades.

sem tréguas aos membros da seita até conquistar seu último reduto, a fortaleza de Montségur, e levar à fogueira os adeptos lá capturados. Depois disso, a reencarnação foi definitivamente banida da Igreja cristã.

O tema voltaria à tona no Ocidente na segunda metade do século 19, época do florescimento do interesse por assuntos envolvendo espíritos. Em 1857, Allan Kardec lançou a pedra fundamental do espiritismo, O Livro dos Espíritos. Em 1875, 18 anos depois, Helena Blavatsky fundou em Nova York, nos Estados Unidos, a Sociedade Teosófica, que atraiu considerável interesse a partir de um ideário que incluía os conceitos orientais de carma e de reencarnação.

Em 1882, foi criada na Inglaterra a Sociedade de Pesquisa Psíquica, reunião de importantes intelectuais da época para estudar os fenômenos paranormais. Foi a senha para o início do interesse científico pelo assunto.

O interesse pela reencarnação, no entanto, somente viria a despertar uma atenção maior a partir do início da segunda metade do século passado, com a divulgação de experiências de regressão sob hipnose que levariam os pacientes a descrever detalhes de vidas passadas.

Alguns anos depois, Ian Stevenson publicava o seu primeiro estudo na área, e a partir daí a reencarnação deixou de ser encarada como um tema exclusivo do mundo religioso.

Por Eduardo Araia

http://semesaid.com/home/print.php?news.174
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quarta-feira, 3 de setembro de 2008

A consciência é um fenômeno quântico?


Por mais forçada que tal especulação possa parecer, ela tem sido seriamente considerada por vários pesquisadores nos últimos anos.A motivação para essa abordagem, grosso modo, é que como a consciência é uma coisa misteriosa, e os fenômenos quânticos também o são, então esses dois mistérios poderiam estar ligados. O presente trabalho, ainda em fase preliminar, é um estudo dos diferentes argumentos utilizados para defender tal ligação, e das diferentes linhas de pesquisa em neurociência que fazem uso de considerações da física quântica.Veremos que a questão de se a consciência é um fenômeno quântico é basicamente uma questão empírica, ainda em aberto, mas que uma formulação precisa desta questão requer esclarecimentos filosóficos relativos às definições de "consciência" e de "fenômeno quântico".


Vamos nos colocar dentro do contexto do materialismo, e supor que estados e processos conscientes são idênticos a certos estados e processos fisiológicos.Neste contexto, existe um debate em psicologia que gira em torno do funciona¬lismo ("strong AI"), que defende que a mente depende apenas da estrutura dos processos cerebrais, e não de sua realização física. Assim, em princípio, um computador poderia ter consciência, ou mesmo uma sociedade poderia ter uma consciência própria, desde que os elementos destes sistemas satisfizessem certas propriedades estruturais, ainda não conhecidas pela ciência. A mente seria como um programa de computador.
A tese de que o problema mente-corpo só poderá ser esclarecido quando for levado em conta a natureza quântica do cérebro tem sido usada como um argumento anti-funcionalista. Esta posição defende que existe algo nos detalhes dos processos fisiológicos da mente que é essencial para a consciência. Talvez esse "algo" seja um processo quântico! Se isto for verdade, então computadores feitos com chips convencionais e sociedades humanas não poderão ter consciência.

Modelo de Eccles e Beck - Sir John Eccles, ganhador do prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina de 1963 e autor, com Karl Popper, do livro The Self and Its Brain, propôs um modelo, posteriormente aperfeiçoado em parceria com Frederick Beck, físico teórico, pelo qual efeitos quânticos ocorreriam nos terminais sinápticos dos neurônios e seriam moduladores das funções cerebrais. O mecanismo central estaria relacionado à exocitose, processo pelo qual as moléculas neurotransmissoras contidas em minúsculas vesículas são expelidas através da passagem sináptica entre neurônios.
Por esse modelo, a chegada de um impulso nervoso ao terminal de um axônio (prolongamento tubular através do qual os neurônios se comunicam) não induziria invariavelmente as vesículas a expelirem seus neurotransmissores através da sinapse, como se pensava. Isso seria controlado por uma espécie de "gatilho quântico", associado a transferências de elétrons através de um fenômeno denominado tunelamento, que promoveria alterações conformacionais nas membranas controladoras do mecanismo de deliberação de neurotransmissores. Com isso, efeitos quânticos seriam os controladores efetivos de toda a dinâmica cerebral, embora não fique claro como é que tal mecanismo implicaria na emergência da consciência.
Modelo de Hameroff-Penrose - Dois dos principais propositores da Consciência Quântica são Stuart Hameroff, médico, e Roger Penrose, físico-matemático de Oxford que atua na área de Cosmologia e Gravitação e foi ganhador do prêmio Wolf juntamente com Stephen Hawking. Ao final da década de 80, Penrose lançou um livro muito instigante, A Mente Nova do Imperador, que causou sensação e foi o responsável por muito da discussão a respeito de consciência e efeitos quânticos que se seguiu. Nesse livro, ele elabora extensas discussões a respeito dos seguintes pontos:
• O pensamento humano não é algorítmico (é não-computacional);
• Os únicos processos não-algorítmicos no Universo são os processos quânticos;
• Não existe atualmente uma Física Quântica completa, mas está faltando uma Teoria Quântica da Gravitação;
• O advento dessa nova teoria seria o passaporte para se formular um modelo quântico para a consciência.
Anos mais tarde, Penrose, em parceria com Hameroff, formulou um modelo um pouco mais específico, procurando localizar as estruturas cerebrais onde ocorreriam os tais efeitos quânticos. Nesse modelo, eles principiam por correlacionar certas características da psique com atributos de sistemas quânticos. Por exemplo:
• A sensação de um self unitário (the binding problem) - isso é atribuido a coerência quântica e não-localidade;
• Livre arbítrio - decorrência de um processo randômico, não-determinístico; teria a ver com indeterminação quântica;
• Intuição - processamento não-algorítmico, computação via superposição quântica;
• Diferença e transição entre estados não-conscientes e consciência - colapso da função de onda.
A idéia deles é que a consciência poderia "emergir" como um estado quântico macroscópico a partir de um certo nível crítico de coerência de eventos acontecendo em certas estruturas subneurais, denominadas microtubulos, que compõem o esqueleto neuronal. Os ingredientes essenciais do modelo são os seguintes:
• Coerência quântica e auto-colapso da função de onda são essenciais para a emergência de consciência e isto acontece nos microtubulos;
• Tubulinas, subunidades dos microtubulos, são acopladas por eventos quânticos internos e interagem cooperativamente entre si;
• Deve ocorrer coerência quântica entre tubulinas através de um bombeamento de energia térmica e bioquímica, provavelmente a la Fröhlich;
• Durante o processamento pré-consciente, ocorre um processo de computação/superposição quântica nos microtubulos, até que um auto-colapso acontece em função de efeitos relacionados à Gravitação Quântica;
• O auto-colapso resulta em "estados clássicos" de tubulinas que então implementam uma determinada função neurofisiológica;
• Conexões via MAPs (microtubule-associated proteins) sintonizam e "orquestram" essas oscilações quânticas.

Não existe evidência concreta, ainda, de que a física quântica seja necessária para explicar a consciência. O modelo de Fröhlich e a hipótese de que os microtúbulos tenham uma função cognitiva são bastante interessantes, e merecem ser investigados mais a fundo. Mas quanto às declarações de que tais hipóteses foram confirmadas, conhecemos bem a dinâmica da ciência para não nos deixarmos levar facilmente por tais promessas. Este é um campo em que os pré-julgamentos filosóficos possuem bastante peso.E mesmo que tais hipóteses se confirmem, permaneceria a questão de se a consciência, a ser caracterizada de maneira precisa, faria uso de maneira essencial das características quânticas dos processos cerebrais.

http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/quantico.htm
http://www.comciencia.br/reportagens/fisica/fisica14.htm
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segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Experiências de quase-morte EQM


Experiências de quase-morte: implicações clínicas

Near-death experience: clinical implications

Resumo

Contexto: Quando algumas pessoas vivenciam um estado próximo da morte, elas referem uma experiência profunda de transcender o mundo físico, o que freqüentemente as conduz a uma transformação espiritual. Estas “experiências de quase-morte” (EQMs) são relevantes para os clínicos pois produzem mudanças nas crenças, nas atitudes e nos valores; podem ser confundidas com os estados psicopatológicos, embora tenham conseqüências diferentes necessitando terapêuticas diferentes; e, por fim, porque podem ampliar a nossa compreensão em relação ao fenômeno da consciência.
Objetivos: Esta revisão de literatura examina as evidências relacionadas às explicações que têm sido propostas para o fenômeno das EQMs, incluindo expectativa, memórias do nascimento, alterações nos gases sangüíneos, alucinações tóxicas ou metabólicas e modelos neuroquímicos e neuroanatômicos.
Métodos: A literatura sobre EQM dos últimos 30 anos foi revisada de modo abrangente, incluindo bases de dados médicas, de enfermagem, psicológicas e sociológicas.
Resultados: As EQMs tipicamente produzem mudanças positivas em atitudes, crenças e valores, mas também podem levar a problemas interpessoais e intrapsíquicos. Esses problemas, embora tenham sido comparados a vários transtornos mentais, diferem desses quadros psicopatológicos. Várias estratégias terapêuticas têm sido propostas para ajudar indivíduos que apresentam conseqüências problemáticas de uma EQM, mas tais intervenções ainda não foram testadas.
Conclusões: A consciência mística e o funcionamento mental intensificado durante uma EQM, quando o funcionamento cerebral está gravemente prejudicado, são um desafio para os modelos atuais sobre a interação cérebro/mente e podem, eventualmente, levar a modelos mais completos para o entendimento da consciência.


Bruce Greyson

Division of Perceptual Studies, Department of Psychiatry & Neurobehavioral Sciences, University of Virginia School of Medicine

Tradução:Ana Catarina de Araújo Elias e Alexandre Augusto Correa Macedo

Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Division of Perceptual Studies.
University of Virginia Health System. P.O. Box 800152. Charlottesville, VA 22908-0152, EUA.
E-mail: cbg4d@virginia.edu

Greyson, B. / Rev. Psiq. Clín. 34, supl 1; 116-125, 2007

Palavras-chave: Experiências de quase-morte, transformação espiritual, diagnóstico diferencial, psicoterapia, consciência.
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Introdução

Quando algumas pessoas vivenciam um estado próximo do da morte, elas referem uma experiência profunda, na qual acreditam deixar seus corpos e ingressar em alguma outra esfera ou dimensão, transcendendo os limites do ego e as fronteiras convencionais do tempo e do espaço. Tais experiências foram descritas esporadicamente na literatura médica desde o século XIX (Greyson, 1998a) e foram identificadas como uma síndrome distinta a mais de um século atrás (Heim, 1892). Moody (1975) introduziu o termo experiências de quase-morte (EQM) para nomear esse fenômeno e delineou características específicas, comumente referidas pelos americanos que sobreviveram a uma EQM. Essas características, que definem uma experiência de quase-morte, tanto no meio acadêmico como na linguagem popular, incluem inefabilidade, ouvir o anúncio da própria morte, envolventes sentimentos de paz, ouvir um ruído, ver um túnel, sentir estar fora do corpo, encontrar-se com seres não-físicos, um “ser de luz”, realizar uma revisão da vida, retornar à vida, passar pela experiência de contar aos outros sobre essa vivência, os efeitos dessa vivência sobre a vida da pessoa que vivenciou uma EQM, ter novas visões da morte e a comprovação de conhecimentos não adquiridos por meio da percepção normal (Moody, 1975).

Pesquisas recentes sugerem que experiências de quase-morte são referidas por 12% a 18% dos sobreviventes de paradas cardíacas (Greyson, 2003a; Parnia et al., 2001; van Lommel et al., 2001). Experiências de quase-morte são importantes para os médicos por três razões. Primeiro, as EQMs desencadeiam mudanças abrangentes e duráveis em relação a crenças, atitudes e valores dos pacientes. Segundo, podem ser confundidas com estados psicopatológicos, embora acarretem conseqüências muito diferentes das geradas nas experiências psicopatológicas e, por essa razão, requerem diferentes abordagens terapêuticas. Terceiro, o melhor entendimento dos mecanismos da EQM pode ampliar a nossa compreensão em relação ao fenômeno da consciência e da sua relação com a função cerebral (Greyson, 1998b; Parnia e Fenwick, 2002).

Um dos problemas das pesquisas sobre EQM é que, com algumas exceções notáveis, quase todos os estudos foram retrospectivos, o que implica dúvidas sobre a confiabilidade nas memórias relatadas (French, 2001). Se os relatos das EQMs forem adornados ou pouco fiéis ao ocorrido, isto diminuirá sua importância. Observa-se que as memórias autobiográficas estão sujeitas a distorções ao longo dos anos e as memórias de eventos incomuns ou traumáticos podem ser particularmente não confiáveis em conseqüência das influências emocionais. Para testar a confiabilidade dos relatos dos pacientes que passaram por uma EQM, Greyson (2007) administrou a escala de EQM, uma medida quantitativa, aos mesmos indivíduos em duas ocasiões, com um intervalo de aproximadamente 20 anos; no início da década de 1980 e, então, outra vez em 2000. Não foram encontradas evidências de que os indivíduos que passaram por uma EQM romantizam seus relatos com o passar do tempo. Os resultados mostraram justamente o contrário: não se verificou nenhuma diferença estatística significativa entre as pontuações da escala de EQM nos dois momentos de aplicação da escala. As mudanças observadas nas pontuações da escala não foram associadas significativamente com o intervalo do tempo decorrido desde a EQM. Essa evidência de que os relatos das experiências de EQM são confiáveis ao longo de um período de duas décadas sustenta a validade dos estudos em que a EQM ocorreu em anos anteriores à investigação.

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Modelos explicativos

POs investigadores identificaram muito poucos traços ou variáveis pessoais que pudessem predizer se um indivíduo terá uma EQM ou mesmo que tipo de EQM uma pessoa poderá ter. Os estudos retrospectivos com pessoas que vivenciaram EQM mostraram-nos que são habitualmente sujeitos psicologicamente saudáveis que não diferem de grupos controle em relação a idade, gênero, etnia, religião, religiosidade ou saúde mental (Gabbard e Twemlow, 1984; Greyson, 1991; Irwin, 1985; Sabom, 1982). Os sujeitos que vivenciaram uma EQM são indistinguíveis da população geral quanto a inteligência, neurotização, extroversão, ansiedade traço ou estado e medidas relevantes de Rorschach (Locke e Shontz, 1983). Entretanto, alguns estudos sugeriram que pacientes que passaram por uma EQM tendem a ser sujeitos facilmente hipnotizáveis, a recordar mais freqüentemente seus sonhos, a ter mais facilidade no uso da visualização de imagens mentais (Irwin, 1985) e, também, a reconhecer de forma significativa maior número de traumas vividos na infância, assim como as tendências dissociativas resultantes desses traumas (Ring, 1992), do que outros da população geral. Não está claro, entretanto, se esses traços pessoais distintivos resultam da EQM propriamente ou se os indivíduos que têm essas características são mais propensos a ter uma EQM, quando estão próximos da morte.

-----------------------------------------------------------------Expectativa

Uma hipótese plausível postula que as EQMs são produtos da imaginação, construídas pelas próprias expectativas pessoais e culturais do indivíduo, para que ele se proteja da ameaça iminente da morte (Greyson, 1983b; Rodin, 1980). As comparações de relatos de EQMs de diferentes culturas sugerem que as crenças prévias têm alguma influência no tipo de experiência que uma pessoa relatará, se vivenciar uma situação próxima à morte (Kellehear, 1993). Entretanto, não está claro se as crenças culturais afetam a experiência propriamente, ou simplesmente afetam a sua recordação e a sua reprodução verbal, ou mesmo a classificação dos pesquisadores diante do relato dos sujeitos.

Alguns dados contradizem essa hipótese da expectativa. Freqüentemente indivíduos relatam EQMs que se opõem a suas expectativas religiosas e pessoais específicas em relação à morte (Ring, 1984). Além disso, os indivíduos que não tiveram nenhum conhecimento prévio sobre EQM descrevem o mesmo tipo de experiência que as pessoas que têm familiaridade com esse fenômeno; também se observou que o conhecimento prévio sobre EQM não parece influenciar os detalhes das suas próprias experiências (Greyson, 1991; Greyson e Stevenson, 1980; Ring, 1980; Sabom, 1982). As experiên­cias que foram relatadas antes de 1975, quando o livro de Moody primeiro cunhou o termo EQM e tornou o fenômeno bem conhecido, não diferem daquelas que foram relatadas depois dessa data (Athappilly et al., 2006). E as crianças pequenas, que são as menos prováveis de terem desenvolvido expectativas sobre a morte, relatam uma EQM com características similares às dos adultos (Bush, 1983; Gabbard e Twemlow, 1984; Herzog e Herrin, 1985; Morse et al., 1985; Serdahely, 1990). Mesmo as diferenças transculturais observadas sugerem que não é a experiência nuclear que difere, mas a maneira que os indivíduos interpretam o que experimentaram. Parece haver uma experiência central subjacente que é representado nas imagens, nos conceitos e nos símbolos possuídos pelos pacientes (Roberts e Owen, 1988).

-----------------------------------------------------------------Memórias do nascimento

Sagan (1979), entre outros, interpretou as EQMs, com suas vivências de visualização de um túnel escuro, de uma luz brilhante e de entrada em uma outra dimensão, como uma memória do próprio nascimento. Entretanto, muitas EQMs não são vivenciadas pela visão de um túnel nem de uma luz, assim como muitas outras características comuns de EQM não são explicadas por esse modelo de “memórias do nascimento”. Além disso, aos recém-nascidos faltam a acuidade visual, a estabilidade espacial de suas imagens visuais, a agilidade mental e a capacidade cortical de codificação para registrar as memórias da experiência do nascimento (Becker, 1982). Por fim, os relatos de experiência fora do corpo e sobre a passagem através de um túnel para uma outra dimensão são igualmente comuns tanto entre as pessoas que nasceram de parto vaginal como entre as que nasceram de parto por cesárea (Blackmore, 1983), contradizendo as predições do modelo “memórias do nascimento”, pois se assim fosse, tais experiências deveriam ser raras nos indivíduos que nasceram de parto por cesárea.


-----------------------------------------------------------------Alterações nos gases sangüíneos


Uma suposição comum tem sido a de que a anóxia ou hipóxia, fatores comuns no processo de morte cerebral, devem ser implicadas nas EQMs (Blackmore, 1993; Rodin, 1980). Entretanto, EQMs ocorrem sem anóxia ou hipóxia, como em doenças não-fatais e em acidentes que quase ocorreram, dos quais o indivíduo sai ileso. Além disso, as vivências associadas à hipóxia são somente superficialmente similares às EQMs. Whinnery (1997) comparou as EQMs aos devaneios que ocorrem durante os períodos breves de inconsciência induzidos por aceleração rápida em pilotos de caça, embora tenha referido que seu modelo não explica todos os fenômenos de EQM. As características principais compartilhadas entre a hipóxia induzida por aceleração e as EQMs são a visão do túnel e de luzes brilhantes, a sensação de estar flutuando, as sensações agradáveis e de prazer, breves fragmentos de imagens visuais e algumas raras vezes a sensação de deixar o corpo. Comparando-se os citados devaneios com as EQMs, aqueles incluem visões de pessoas vivas, mas nunca de pessoas mortas, assim como neles não há referências às revisões da vida nem à memória panorâmica (Whinnery, 1997). Também se deve observar que as EQMs não incluem sintomas típicos de hipóxia, tais como convulsões mioclônicas, amnésia retrógrada para os eventos ocorridos antes da perda de consciência, movimentos automáticos, efeitos da memória, formigamento nas extremidades e em torno da boca, confusão e desorientação após despertar, assim como sensação de não conseguir movimentar o corpo ao acordar. A hipóxia ou a anóxia produz geralmente alucinações idiossincrásicas e assustadoras e conduzem o indivíduo à agitação e à agressividade, estados completamente diferentes dos sentimentos de paz que são consistentes e universalmente descritos em EQM. Além disso, os resultados de pessoas que tiveram próximas da morte mostraram que aquelas que referem uma EQM não têm níveis mais baixos de oxigênio do que aquelas que não tiveram uma EQM (Sabom, 1982; van Lommel et al., 2001).

Outros autores sugeriram que a hipercapnia pode contribuir para as EQMs (Jansen, 1997; Morse et al., 1989). Entretanto, as características semelhantes a uma EQM, que têm sido relatadas na hipercapnia, como a sensação de sair do corpo, a visão de uma luz brilhante, a escuridão no vazio, a revisão da vida, o sentimento de paz, são raras e isoladas. Além disso, têm ocorrido relatos de EQM em pacientes cujos níveis de dióxido de carbono não estavam elevados (Morse et al., 1989; Parnia et al., 2001; Sabom, 1982). Por fim, se a anóxia e hipercapnia representam um fator importante para as EQMs, as EQMs deveriam ser muito mais comuns do que as observadas após parada cardíaca (Kelly et al., 2006; van Lommel et al., 2001).

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Alucinações tóxicas ou metabólicas

Como os indivíduos que vivenciaram uma EQM relatam eventos que não podem ser vistos nem vivenciados por aqueles à sua volta, é plausível a hipótese de que as EQMs sejam alucinações provocadas pela medicação comumente prescrita a pacientes terminais, ou por distúrbios metabólicos, ou por mau funcionamento cerebral em pessoas próximas à morte. Entretanto, muitas EQMs são descritas por indivíduos que não estavam com disfunções orgânicas nem metabólicas que pudessem causar alucinações, assim como pacientes que recebem medicação, na verdade, referem menos EQMs do que os pacientes que não a recebem (Greyson, 1990; Osis e Haraldsson, 1977; Sabom, 1982).

Além disso, o mau funcionamento cerebral, do ponto de vista orgânico, produz geralmente turvação da consciência, irritabilidade, medo, agressividade e visões idiossincráticas, bastante diferentes do pensamento claro e de sentimento de paz, calma, e conteúdos previsíveis típicos da EQM. Pacientes com delírio normalmente vêem pessoas vivas, ao passo que os pacientes próximos à morte e sem alterações do nível de consciência quase invariavelmente vêem pessoas falecidas (Osis e Haraldsson, 1977). Os pacientes febris ou anóxicos, quando próximos da morte, referem menos EQMs e experiências menos elaboradas do que os pacientes que não estão fazendo uso de fármacos e que não estão febris nem anóxicos (Osis e Haraldsson, 1977; Ring, 1980; Sabom, 1982). Tais achados podem sugerir que o delírio induzido por drogas ou problemas metabólicos, em vez de causar uma EQM, de fato a inibe, ou, então, que os pacientes delirantes tendem a não recordar as próprias experiências após se recuperarem (Kelly et al., 2006).

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Neuroquímica

As EQMs têm sido especulativamente atribuídas a vários neurotransmissores no cérebro, mais freqüentemente as endorfinas ou outros opióides endógenos liberados sob estresse (Blackmore, 1993; Carr, 1982; Saavedra-Aguilar e Gómez-Jeria, 1989). Entretanto, as endorfinas produzem alívio da dor e sensação de bem-estar que persiste por horas, ao passo que nas EQMs a paz e a cessação da dor são sentidas de forma breve, freqüentemente por alguns segundos.

Um modelo mais abrangente sugere que um agen­te endógeno neuroprotetor similar à quetamina (a existência desse agente é uma hipótese ainda não comprovada) pode ser liberado em condições de estresse, agindo nos receptores do N-metil-D-aspartato (NMDA). A quetamina pode provocar sentimentos de se estar fora do corpo e algumas sensações como se sentir atravessando um túnel escuro em direção à luz, acreditar que morreu ou que está se comunicando com Deus (Jansen, 1997). Entretanto, as experiências com quetamina geralmente envolvem imagens bizarras e assustadoras, normalmente reconhecidas como ilusões (Fenwick, 1997), e nos achados sobre EQM geralmente as experiências são relatadas como prazerosas, felizes e “mais reais que o real”.

Outros modelos implicaram a serotonina, a adrenalina, a vasopressina e o glutamato (Jansen, 1997; Morse et al., 1989; Saavedra-Aguilar e Gómez-Jeria, 1989). Essas especulações são baseadas em agentes químicos ou em efeitos endógenos hipotéticos, cuja existência não foi comprovada e muito menos fundamentada por dados empíricos.

-----------------------------------------------------------------Neuroanatomia

As EQMs também foram relacionadas de forma especulativa a várias regiões anatômicas do cérebro, mais freqüentemente ao lobo temporal direito (Morse et al., 1989; Saavedra-Aguilar e Gómez-Jeria, 1989), com base na suposta similaridade entre EQM e epilepsia do lobo temporal. Entretanto, vivências semelhantes a uma EQM, quase nunca são observadas em convulsões do lobo temporal (Devinsky et al., 1989; Rodin, 1989), e a estimulação elétrica dos lobos temporais pode desencadear fragmentos de música, cenas isoladas e repetitivas que parecem familiares, audição de vozes, experiências de medo ou outras emoções negativas, visões bizarras, imagens oníricas, além de ampla escala de sensações somáticas que nunca foram relatadas em EQMs (Gloor, 1990; Horowitz e Adams, 1970). Os relatos dos fenômenos induzidos por estimulação magnética transcraniana dos lobos temporais, que mostraram vaga semelhança com uma EQM (Persinger, 1994), não foram replicados e têm sido atribuídos à sugestão.

Outros neurocientistas têm discutido sobre a participação da área relacionada à atenção no lobo frontal, da área da orientação no lobo parietal, do tálamo, do hipotálamo, da amídala, do hipocampo e dos filamentos de Reissner na espinha vertebral (Carr, 1982; Saavedra-Aguilar e Gómez-Jeria, 1989). Esses mecanismos neurológicos especulativos, para os quais, há pouca evidência empírica, se houver, podem sugerir caminhos cerebrais por meio dos quais uma EQM possa ser expressada ou interpretada, mas não implicam necessariamente mecanismos causais (Kelly et al., 2006).

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Modelos multifatoriais

Apesar das inconsistentes fundamentações para as afirmações de que uma EQM seria similar às experiências associadas com atividade anormal do lobo temporal, anóxia, quetamina, ou endorfinas, diversas teorias multifatoriais, baseadas nessas fundamentações, combinam livremente tais causas especulativas para explicar qualquer uma das constelações de características, que são observadas em uma dada EQM. Por exemplo, argumenta-se que o isolamento sensorial ou o mau funcionamento corporal resultaria sensação de se estar fora do corpo; em seguida, as endorfinas produziriam sensações de analgesia e de sentimentos de paz; e, finalmente, com o aumento progressivo da anóxia, o sistema visual ficaria comprometido e produziria a ilusão do túnel de luz, assim como os episódios epilépticos do lobo temporal estimulariam uma revisão da vida; enquanto as visões de pessoas falecidas e de outras dimensões são simplesmente alucinações produzidas pelas expectativas do indivíduo, sobre o qual acontecerá durante a morte (Blackmore, 1993; Saavedra-Aguilar e Gómez-Jeria, 1989).

Embora os fatores fisiológicos, psicológicos e socioculturais possam realmente interagir de forma complexa, conjuntamente com uma EQM, as teorias propostas até o momento consistem basicamente de especulações sem embasamento, em relação ao que pode acontecer durante uma EQM. Não se conseguiu demonstrar que nenhum dos mecanismos neurofisiológicos propostos ocorreu em EQM, e alguns, tais como o papel da expectativa ou da presença e efeitos da anóxia, são inconsistentes com os dados disponíveis (Kelly et al., 2006). Mesmo se forem encontradas evidências empíricas para alguns desses modelos fisiológicos de EQM, esses achados seriam filosoficamente ambíguos: correlacionar um estado cerebral com uma experiência não implica necessariamente que esse estado cerebral seja a causa da experiência; uma outra interpretação pode ser a de que o estado cerebral pode permitir o acesso à experiência ou simplesmente refleti-la, e esta é uma interpretação proposta por alguns investigadores que promovem estudos neurofisiológicos de EQM (Kelly et al., 2006).

-----------------------------------------------------------------Resultados das experiências de quase-morte (EQM)

Efeitos positivos

Independentemente da sua causa, as EQMs podem alterar de forma permanente e dramática as atitudes, as crenças e os valores dos indivíduos que passam por essa experiência. Em relação aos efeitos pós-EQM, a literatura tem se concentrado nas transformações pes­soais benéficas que freqüentemente advêm dessa experiência. Os resultados que são tipicamente relatados, pós-EQM, incluem a ampliação da espiritualidade, da preocupação com outras pessoas, da valorização da vida e a diminuição do medo da morte, do materialismo e da competitividade (Sabom, 1982).

Nos estudos que comparam as atitudes dos indiví­duos, antes e após uma EQM, os resultados indicaram que após essa experiência os pacientes referiram diminuição do medo da morte, sensação de relativa invulnerabilidade, sentimento de importância ou de potencial para uma “missão” a cumprir e fortalecimento da crença na vida após a morte (Noyes, 1980).

Eles também referiram maior apreço pela vida, renovação do sentido da vida, aumento da confiança e da flexibilidade para lidar com as adversidades da vida, valorização do amor e do serviço ao próximo e diminuição da preocupação com status pessoal e bens materiais, aumento do sentimento de compaixão pelos outros, valorização da espiritualidade e redução significativa do medo da morte (Ring, 1980, 1984). Uma EQM conduz às mudanças positivas significativas em relação à finalidade e ao sentido da vida, assim como favorece a aceitação da morte (Bauer, 1985). Essas mudanças profundas nas atitudes e no comportamento dos pacientes que vivenciam uma EQM vêm sendo corroboradas em estudos de longo prazo e também nas entrevistas com amigos e parentes (Ring, 1984).

Os pacientes que vivenciaram a uma EQM, quando comparados com os que não passaram por essa experiência, referiram grande aumento do altruísmo, diminuição do medo da morte, aumento da crença na existência de vida após a morte, aumento do interesse e do sentimento religioso, diminuição do desejo de sucesso material e da aprovação pelos outros (Flynn, 1982). Comparando as pessoas que vivenciaram uma EQM com as que chegaram próximo da morte, mas não passaram por essa experiência, os indiví­duos que tiveram uma EQM passaram a dar valor significativamente mais baixo ao status, ao sucesso profissional, aos aspectos materiais e à fama (Greyson, 1983a), e a morte passou a ser vista de forma menos ameaçadora (Greyson, 1992).

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Alucinações auditivas recorrentes

Após ter passado por uma EQM, alguns indiví­duos referem “vozes internas” contínuas que são experimentadas como reais, mas não são ouvidas por outras pessoas (Greyson, 1993b, 1997a; Liester, 1998; Moody, 1975; Ring, 1980), e que são comparáveis com as alucinações auditivas benignas, observadas em 10% a 47% da população geral saudável (Bentall, 2000; Greyson e Liester, 2004).

Em um estudo que comparou as “vozes internas” dos sujeitos que passaram por uma EQM e as alucinações auditivas de pacientes psicóticos, 97% dos indivíduos que vivenciaram uma EQM referiram alguma atitude positiva em relação às suas alucinações auditivas, mas somente 52% dos pacientes psiquiátricos referiram alguma atitude positiva. Por outro lado, enquanto somente 51% dos indivíduos que passaram por uma EQM relataram alguma atitude negativa em relação às suas alucinações auditivas, 98% dos pacientes psiquiátricos referiram atitudes negativas. As diferenças marcantes, na comparação entre as alucinações auditivas dos pacientes que passaram por uma EQM e os pacientes esquizofrênicos, sugerem que as “vozes internas”, freqüentemente ouvidas após uma EQM, são muito valiosas para esses indiví­duos e freqüentemente associadas à melhora no funcionamento psicossocial, e não à piora (Greyson e Liester, 2004).

-----------------------------------------------------------------Efeitos negativos

Embora indivíduos que tenham passado por uma EQM possam sofrer se a EQM conflitar com as suas crenças e atitudes prévias, a ênfase da mídia leiga nos benefícios da EQM inibe a busca por ajuda daqueles pacientes que estão com problemas. Algumas vezes as pessoas que passaram por uma EQM duvidam de sua própria sanidade mental, mas com freqüência receiam discutir esse assunto com seus amigos ou profissionais de saúde, pelo medo de serem ridicularizadas ou rejeitadas. Algumas vezes também os profissionais de saúde reagem negativamente quando os pacientes que vivenciaram uma EQM relatam suas experiências, o que os desencoraja de procurar ajuda para mais bem compreender essa experiência (Greyson, 1997a; Greyson e Harris, 1987).

A maioria dos pacientes que passaram por uma EQM gradualmente vai se ajustando, por si mesma, à experiência que teve e aos seus efeitos. Entretanto, essa adaptação freqüentemente requer que eles adotem novos valores, atitudes e interesses. Familiares e amigos podem ter dificuldades em compreender as novas crenças e os novos comportamentos dos que passaram pela EQM. Por um lado, familiares e amigos evitam esses pacientes, os quais acreditam estar sob alguma influência não bem-vinda. Pelo outro lado, familiares e amigos influenciados pela mídia leiga sobre os efeitos positivos de uma EQM podem colocar esses pacientes em um pedestal e esperar por mudanças irreais. Algumas vezes, os amigos esperam paciência e capacidade de perdoar sobre-humanas desses indivíduos que passaram por uma EQM, ou curas milagrosas e poderes proféticos, e acabam por rejeitar os indivíduos que passaram por uma EQM e que não atendem a essas expectativas não realistas (Greyson, 1997a; Greyson e Harris, 1987).

Após uma EQM, os pacientes podem ter problemas emocionais, como raiva e depressão, por terem sido ressuscitados e “mandados de volta”, talvez contra a própria vontade. Esses pacientes freqüentemente apresentam dificuldades para conciliar a experiência de EQM com os ensinamentos de suas crenças religiosas tradicionais, ou seus valores e estilos de vida prévios. Como as vivências da EQM tornam-se centrais para a auto-identidade desses pacientes e parecem diferenciá-los das outras pessoas que convivem com eles, tais sujeitos acabam por se definirem basicamente como “sobreviventes de uma EQM”. Como a maioria de suas novas atitudes e crenças é tão diversas daqueles que os circundam, esses pacientes podem superar a preocupação de que são, de algum modo, anormais, apenas redefinindo para si próprios o que é normal. Os indivíduos que vivenciaram uma EQM podem se sentir distantes ou separados das pessoas que não passaram por experiências similares e temer ser ridicularizados ou rejeitados por tais pessoas – às vezes, naturalmente, com muita razão. A dificuldade em reconciliar as novas atitudes e crenças com as expectativas da família e dos amigos pode interferir na manutenção dos antigos papéis e estilo de vida, pois estes não têm mais o mesmo significado. Esses pacientes podem sentir que é impossível comunicar aos outros o significado e o impacto de uma EQM em suas vidas. Freqüentemente, experimentam um sentido do amor incondicional durante a EQM e não conseguem mais aceitar as condições e as limitações dos relacionamentos humanos (Greyson, 1997a; Greyson e Harris, 1987).

Os pesquisadores observaram que a incongruência entre os valores adotados pelos que passaram por uma EQM e os valores de seus cônjuges tem resultado taxas relativamente elevadas de divórcio nesta população (Bush, 1991). A “morte social” que ocorre quando a personalidade conhecida do sobrevivente de EQM morre pode ser tão desorganizadora para a família, quanto seria a morte física desse indivíduo (Insinger, 1991). Os efeitos de uma EQM “podem incluir depressão duradoura, término de relacionamentos, interrupção da carreira, sentimentos de intenso isolamento, incapacidade para agir no mundo e longos anos de esforço para adaptar-se às alterações na percepção da realidade”
(Bush, 1991, p. 7).

-----------------------------------------------------------------Atitudes em relação ao suicídio

Em marcante contraste às adaptações à vida após uma EQM, algumas vezes difíceis, esta experiência, por si própria, pode suscitar tranqüilidade em relação à morte, incluindo um sentimento positivo, ausência de ansiedade ou de dor, aparente reencontro com entes amados já falecidos e a experiência do amor incondicional. Esta “romantização” da morte tem sido especulada como um potencial incentivo à ideação suicida (van Del, 1977), e observou-se que as pessoas que vivenciaram uma EQM demonstram menos medo da morte do que as que não vivenciaram essa experiência (Sabom, 1982) e viam a morte como algo menos ameaçador (Greyson, 1992). Entretanto, os pacientes que passaram por uma EQM tipicamente apresentam, em seguida à experiência, uma paradoxal, mas evidente, diminuição da ideação suicida (Greyson, 1981; Ring, 1984). Embora uma EQM possa “romantizar” a morte, por outro lado fundamenta a vida de sentido e propósito: reduz a ideação suicida basicamente ao promover um sentido de unidade com algo que transcende a personalidade, re-significando as falhas e as perdas pessoais, realçando o propósito e a alegria de viver e ampliando a auto-estima (Greyson, 1993a).

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Experiências de quase-morte e saúde mental

Conforme exposto anteriormente, os estudos retrospectivos de EQM mostraram, em sua maioria, que os sujeitos que vivenciaram essa experiência são psicologicamente saudáveis e que, em medidas de saúde mental, não diferem dos de grupos controle (Gabbard e Twemlow, 1984; Greyson, 1991; Irwin, 1985; Locke e Shontz, 1983). Entretanto, as EQMs têm sido especulativamente associadas a graves condições psicopatológicas.

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Despersonalização

As EQMs foram descritas como um tipo de despersonalização, ou um sentimento de estranhamento ou de irrealidade, que imita o estado de morte e que sacrifica uma parte da personalidade para evitar a morte real, muito embora a despersonalização não esclareça a ampliação da agilidade mental nem a consciência mística, observadas nas EQMs (Noyes e Kletti, 1977). Outras diferenças entre a despersonalização e uma EQM estão na distribuição dos pacientes por idade e gênero na percepção da despersonalização como um estado onírico, desagradável e com separação entre o “eu” que observa e o “eu” funcionante (Gabbard e Twemlow, 1984).

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Dissociação

As EQMs vêm sendo comparadas com o fenômeno de dissociação, ou seja, a separação de pensamentos, sentimentos ou experiências do curso normal da cons­ciência e da memória, o que é uma resposta de adaptação ao trauma, comum em pessoas sem outras alterações patológicas. Muitas EQMs compartilham com a dissociação, a desconexão da percepção, cognição, emoção e identidade do fluxo predominante de consciência do indivíduo (Greyson, 1997b). Pesquisadores têm especulado o fato de que as pessoas que passaram por uma EQM talvez tenham tendência a dissociar em resposta eventos catastróficos, mas não os estressores da vida diária (Irwin, 1993; Ring, 1992). Sintomas de dissociação são mais comuns entre sujeitos que vivenciaram uma EQM do que entre indivíduos que estiveram próximos da morte sem EQM, embora os escores dos pacientes que vivenciaram uma EQM ainda estejam dentro da média esperada para a população normal e bem abaixo dos encontrados em transtornos dissociativos clínicos (Greyson, 2000). O perfil do sintoma dissociativo dos indivíduos que passaram por uma EQM sugere resposta psicofisiológica normal ao estresse, um desvio de atenção do ambiente físico para um estado alterado de consciência, mais que um tipo patológico de dissociação ou uma manifestação de transtorno dissociativo.

-----------------------------------------------------------------Transtorno do estresse pós-traumático

O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é uma entre as muitas possíveis respostas psicológicas e biológicas ao trauma, as quais envolvem um padrão bifásico de se reviver o trauma: memórias intrusivas alternadas com entorpecimento e evitação de situações que lembrem o trauma. As EQMs podem levar a sintomas típicos de TEPT, como recordações intrusivas e recorrentes do evento, pesadelos repetidos sobre o evento, diminuição do interesse em atividades antes importantes, indiferença para com outras pessoas e percepção restrita do futuro (Greyson, 1997a, 2001). Posto que dissociações ocorridas durante um trauma freqüentemente resultam posteriormente em TEPT, é plausível suspeitar de TEPT após EQMs que são semelhantes a uma dissociação peritraumática. De fato, a incidência de sintomas de TEPT entre os indivíduos que passaram por uma EQM é maior que entre os sobreviventes de uma morte iminente sem EQM, embora os escores dos sintomas do TEPT nos sujeitos que vivenciaram uma EQM estejam dentro da normalidade e distantes do que se observa no TEPT clínico (Greyson, 2001). Embora a EQM compartilhe com o TEPT aumento de pensamentos intrusivos, imagens, sentimentos e sonhos, a EQM se diferencia por não gerar evitação, entorpecimento psíquico nem inibição comportamental. Dessa forma, essas alterações ocasionadas por uma EQM são mais sugestivas de uma resposta não específica a eventos catastróficos que um TEPT.

-----------------------------------------------------------------Outras condições patológicas

As EQMs têm sido confundidas, às vezes, com autoscopia, observada em uma variedade de lesões cerebrais. Entretanto, as EQMs diferem de autoscopia, pois naquelas os pacientes se percebem fora de seu corpo físico, que é observado inativo. Na autoscopia, o paciente relata ver um “duplo” ativo do próprio corpo (Gabbard e Twemlow, 1984). As EQMs também têm similaridades superficiais com as alucinações provocadas por substâncias psicoativas, mas são mais complexas do que a imaginação mental induzida por drogas e, freqüentemente, mais dotadas de significado pessoal (Bates e Stanley, 1985), e também ocorrem na ausência dessas substâncias psicoativas. Embora o transtorno esquizotípico de personalidade possa incluir distorções cognitivas e perceptuais, há um marcante padrão de déficits interpessoais, o qual não é observado nos pacientes que vivenciam uma EQM (Gabbard e Twemlow, 1984; Irwin, 1985; Locke e Shontz, 1983). As EQMs podem ser diferenciadas dos transtornos psicóticos breves por seu início agudo, seguindo um estressor precipitante, pelo bom funcionamento pré-mórbido desses sujeitos e pela atitude exploratória positiva da experiência (Lukoff, 1985).

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Problema espiritual ou religioso

O Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, da Associação Psiquátrica Americana, na sua quarta edição, advertiu contra a interpretação equivocada de experiências espirituais ou religiosas como transtornos mentais e distinguiu desses transtornos mentais uma outra categoria de problemas classificados como “outras circunstâncias que podem ser foco de atenção clínica”, os quais incluem uma subcategoria específica “problemas espirituais ou religiosos”, um exemplo do que é uma EQM (Lukoff et al., 1992). Da mesma forma que o diagnóstico de um episódio de depressão maior não deve ser dado quando os sintomas depressivos resultam de um luto normal não complicado, assim também uma EQM e seus efeitos não devem ser vistos como evidência de um transtorno mental, mas como reação normal a um estressor que ameace a vida (Turner et al., 1995). Uma das funções pretendidas na categoria diagnóstica “problema religioso ou espiritual” foi ancorar a extremidade não-patológica de um espectro de diagnóstico diferencial e direcionar diagnósticos clínicos para a literatura relevante de diagnóstico e de tratamento (Turner et al., 1995).

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EQM em pacientes psiquiátricos

Conforme citado anteriormente, os estudos sobre EQM têm mostrado que esses indivíduos são psicologicamente saudáveis, sem sintomas proeminentes de transtornos psiquiátricos que possam ser diagnosticados. Uma outra maneira de olhar uma possível associação entre EQM e doença mental é o estudo da prevalência da EQM entre pacientes psiquiátricos. Chegar próximo da morte é um evento traumático, que pode conduzir a sofrimento psicológico clinicamente significativo, diminuição da capacidade funcional e necessidade de serviços psiquiátricos. Em uma grande amostra de pacientes consecutivos, que se apresentaram pela primeira vez a uma clínica psiquiátrica ambulatorial, 33% deles relataram ter estado perto da morte, entre os quais 22% (7% da população total de pacientes) tiveram EQMs (Greyson, 2003b). Em todas as medidas de sofrimento psicológico nesta amostra, as contagens foram mais elevadas para os pacientes que estiveram perto da morte, comparando-os com os que não estiveram. Entretanto, entre os pacientes que estiveram perto da morte, em todas as medidas de sofrimento psicológico, as pontuações foram mais baixas para aqueles que referiram ter passado por uma EQM do que para aqueles que não passaram por uma EQM. Assim, a experiência de vivenciar uma proximidade com a morte estava associada com maior sofrimento psicológico, mas o fato de se passar por uma EQM parece ter um efeito protetor para o trauma (Greyson, 2003b). O percentual de pacientes neste estudo que referiu uma EQM foi comparável com os achados na população geral (Greyson, 1998a), sugerindo que a doença mental por si só não está associada com o desenvolvimento de experiências de quase-morte.

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Tratamento de problemas relacionados à EQM

A maneira pela qual um psicoterapeuta responde a um indivíduo que passou por uma EQM pode ter enorme influência na evolução do caso, ou seja, se haverá aceitação da experiência e esta se transformará em um estímulo para o crescimento psicoespiritual, ou se será considerada uma experiência bizarra, que não deva ser compartilhada com os outros, por medo de ser rotulado como mentalmente doente. A literatura sobre problemas relacionados à EQM inclui vinhetas clínicas que ilustram pedidos para que se realize intervenção psiquiátrica em relação aos problemas secundários a uma EQM e que suscitam perguntas não somente sobre o diagnóstico diferencial das condições comórbidas, mas também do relacionamento causal entre elas, isto é, se as EQMs podem predispor o sujeito a determinados transtornos mentais e se determinadas doenças mentais predispõem pacientes que vivenciaram uma EQM a problemas espirituais (Clark, 1984; Greyson, 1997a).

Embora não haja nenhum estudo controlado sobre os resultados de intervenções terapêuticas aos problemas relacionados com uma EQM, os clínicos desenvolveram um consenso de estratégias psicoterapêuticas (Greyson, 1997a; Greyson e Harris, 1987). Por exemplo, é geralmente útil incentivar os pacientes, que passaram por uma EQM, a verbalizar sua confusão e seu sofrimento, a refletir e clarificar mais que interpretar as percepções e emoções dos pacientes. Também se recomenda o oferecimento de informações objetivas sobre a vivência da EQM, favorecendo o entendimento tanto dos pacientes como dos familiares, evitando o sentimento de vítima no paciente e ajudando particularmente o indivíduo nas aflições perante as perdas do ego. Os pacientes que considerarem sua EQM inefável podem expressar seus conflitos usando meios não-verbais de expressão ou por meio da hipnose e da imaginação dirigida (Greyson, 1997a; Greyson e Harris, 1987).

Mudanças nos valores, crenças e atitudes podem requerer modificações nas relações familiares; o foco na terapia, no “aqui e agora”, pode ajudar os pacientes a integrar as vivências experimentadas durante a EQM em suas vidas diárias. A terapia de família ou de casal pode ser indicada quando mudanças no paciente demandam mudanças em relacionamentos íntimos, assim como mudanças na carreira (Greyson, 1997a). Diante da EQM, uma experiência tão estranha à vida cotidiana, explorar problemas e soluções com companheiros que também vivenciaram essa experiência pode reduzir o sentido bizarro associado ao fenômeno. Alguns pacientes podem sentir-se melhor explorando o assunto em uma psicoterapia de grupo, composta por pacientes que também passaram por uma EQM, ou em um grupo de auto-ajuda específico, o que pode favorecer a normalização da experiência (Greyson e Harris, 1987).

Alguns autores têm advertido contra a prescrição de medicações para determinados pacientes no meio do despertar espiritual espontâneo, o que pode congelar o processo em andamento e impedir quaisquer desenvolvimentos reparadores futuros (Wilber, 1984). Como alternativa, podem ser indicadas as práticas contemplativas, tais como a meditação ou a oração, que ajudam o indivíduo em crises espirituais (Wilber, 1984).

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Experiências de quase-morte e consciência

Algumas das características fenomenológicas das EQMs são difíceis de ser explicadas nos termos de nossa compreensão atual sobre os processos psicológicos ou fisiológicos. Por exemplo, os pacientes às vezes relatam que observaram seus corpos de pontos diferentes no espaço e podem descrever com precisão o que estava acontecendo no entorno deles, quando estavam ostensivamente inconscientes (Sabom, 1982, 1998); ou eles perceberam eventos posteriormente confirmados que ocorreram a uma distância que não poderia ser alcançada por seus órgãos dos sentidos (Clark, 1984; Ring e Lawrence, 1993), incluindo indivíduos cegos que descreveram percepções visuais exatas durante sua EQM (Ring e Cooper, 1999). Sabom (1998) descreveu com detalhes a EQM de uma mulher que se submeteu à cirurgia sob parada cardíaca e hipotermia. Durante tal cirurgia, ela preencheu todos os critérios aceitos para morte cerebral, mas mesmo assim descreveu com exatidão os muitos detalhes específicos e inesperados de sua operação. A monitorização fisiológica meticulosa dessa paciente forneceu evidências contrárias a explicações especulativas comuns para uma EQM, tais como a atividade elétrica do lobo temporal e a reconstrução baseada em conversações ouvidas durante a operação ou em observações anteriores e posteriores a ela ter sido anestesiada.
Além disso, alguns pacientes que passaram por uma EQM referem ter encontrado parentes e amigos falecidos, e também algumas crianças que passaram por EQM descrevem ter encontrado pessoas que não conheciam, mas que foram identificadas posteriormente por meio de retratos, como parentes falecidos, que o paciente nunca havia visto antes (Badham e Badham, 1982). Outros indivíduos que passaram por uma EQM relatam ter encontrado pessoas recentemente falecidas, de cuja morte ainda não haviam tido conhecimento (Badham e Badham, 1982; Moody, 1975; Ring, 1980; Sabom, 1982). Esses aspectos das EQMs apresentam dados que não podem ser explicados pelos modelos fisiológicos nem psicológicos atuais, ou por expectativas culturais ou religiosas (Blackmore, 1993).

Tais características transcendentais ou místicas e a ocorrência de um funcionamento mental ampliado, quando o cérebro está gravemente danificado, desafiam a suposição comum da neurociência, a qual afirma que a consciência é unicamente o produto de processos cerebrais, ou que a mente é meramente um epifenômeno de eventos neurológicos. Uma analogia pode ser estabelecida com a mecânica newtoniana, que parece explicar a física da vida diária. Foi apenas a investigação de circunstâncias extraordinárias, envolvendo distâncias, velocidades ou massas, extremamente pequenas ou grandes, que revelou os limites do modelo newtoniano e a necessidade de se desenvolver modelos explanatórios adicionais. Isto também se aplica à questão da compreensão do relacionamento mente-cérebro: a exploração de circunstâncias extraordinárias, tais como uma EQM, pode revelar as limitações desse modelo atual de compreensão e da necessidade de se desenvolver um modelo explicativo mais abrangente.

Um modelo adequado das interações mente/cérebro precisa ser capaz de explicar como a consciência pode funcionar de forma tão complexa durante uma EQM, observando-se que o ato de pensar, a percepção sensorial e a memória continuam a ocorrer durante uma parada cardíaca ou sob anestesia geral; os modelos fisiológicos atuais, que explicam o funcionamento da mente, consideram tais eventos impossíveis (Kelly et al., 2007). Discussões científicas sobre o fenômeno da consciência, para serem intelectualmente responsáveis, precisam levar esses dados em consideração. Apenas quando os pesquisadores abordarem o estudo das EQMs com essas questões em mente, haverá progressos na nossa compreensão do fenômeno das EQMs, além de conjecturas neurocientíficas insatisfatórias. Da mesma forma, apenas quando os neurocientistas examinarem os atuais modelos de funcionamento mental à luz das EQMs, haverá progressos na nossa compreensão do fenômeno da consciência e das suas relações com o cérebro.

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