quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Anti-capitalismo.


Sabemos que o capitalismo não é um modo sensato de organizar a economia, e mais, o capitalismo corporativo predatório que define e domina as nossas vidas – será a nossa morte se não conseguirmos escapar dele, basicamente é um sistema:

(1) Desumano - Nas situações onde a competitividade e a agressão são recompensadas, a maioria das pessoas tende a demonstrar esse tipo de comportamento.

(2) Antidemocrático - O capitalismo é um sistema de concentração de riqueza. Concentrando-se a riqueza numa sociedade, concentra-se o poder.

(3) Insustentável - Capitalismo é um sistema baseado na idéia de crescimento ilimitado, porem, o planeta finito.

Metade da população do mundo vive com menos de 2 dólares por dia. São mais de 3.3 Bilhoes de pessoas, sobrevivendo na mais profunda miséria,
Será essa realmente a única opção?

Não, rejeitar e resistir ao capitalismo corporativo predatório não é loucura. É uma postura eminentemente sadia. Manter a nossa própria humanidade não é loucura. Defender a democracia não é loucura. E lutar por um futuro sustentável não é loucura.

Este é apenas um resumo sobre o que foi discutido no encontro "Last Sunday", em Austin, Texas, 29/04/2007, achei bem interessante os argumentos e pontos de vista, abaixo, o texto completo para quem quiser aprofundar-se neste assunto.

Robert Jensen é professor de jornalismo na Universidade do Texas, em Austin, e membro do conselho do Third Coast Activist Resource Center.



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Robert Jensen *

Sabemos que o capitalismo simplesmente não é o modo mais sensato de se organizar uma economia, mas que, agora, é o único modo possível de se organizar uma economia. Sabemos que os dissidentes dessa sabedoria convencional podem, e deveriam, ser ignorados. Não há mais nem sequer qualquer necessidade de se perseguirem tais heréticos; eles são, obviamente, irrelevantes.

Como sabemos isso tudo? Porque é isso que nos dizem, incansavelmente – geralmente, aqueles que têm mais a ganhar com essa pretensão, sobretudo os que fazem parte do mundo dos negócios e seus respectivos funcionários e defensores nas escolas, nas universidades, nos meios de comunicação de massas e na política convencional. O capitalismo não é uma escolha, mas simplesmente é, como um estado da natureza. Talvez não como um estado da natureza, mas como o estado da natureza. Hoje em dia, contestar o capitalismo é como discutir contra o ar que respiramos. Discutir contra o capitalismo, dizem­‑nos, é simplesmente uma loucura.

Dizem-nos, uma vez após outra, que o capitalismo não é apenas o sistema que temos, mas o único sistema que poderemos ter. Contudo, para muitos de nós, há algo que não convence nessa pretensão. Será essa realmente a única opção? Dizem-nos que nem sequer deveríamos pensar em tais coisas. Mas não podemos deixar de pensar – é esse realmente o “fim da história”, no sentido em que essa frase tem sido usada pelos “grandes” pensadores, para sinalizar a vitória final do capitalismo global? Se esse é o fim da história, nesse sentido, não podemos deixar de nos perguntar: pode o verdadeiro fim do planeta estar longe?

Reflectimos, ficamos inquietos, e esses pensamentos não nos convencem – por um bom motivo. O capitalismo – ou, mais exactamente, o capitalismo corporativo predatório que define e domina as nossas vidas – será a nossa morte se não conseguirmos escapar dele. Encontrar a linguagem apropriada para articular essa realidade é crucial para a política progressista, não em dogmas ultrapassados que alienam, mas em linguagem simples que encontra ressonância entre as pessoas. Deveríamos procurar novos modos de explicar aos colegas de trabalho, nas conversas informais – políticas radicais em menos de cinco minutos – por que devemos abandonar o capitalismo predatório corporativo. Se não fizermos isso, muito provavelmente enfrentaremos o fim dos tempos, e esse fim trará ruptura, e não êxtase ou arrebatamento.

Eis a minha tentativa para uma linguagem sobre este argumento.

O capitalismo é, reconhecidamente, um sistema incrivelmente produtivo que tem criado uma enchente de mercadorias, como nenhum outro sistema conhecido no mundo. É também um sistema basicamente (1) desumano, (2) antidemocrático e (3) insustentável. O capitalismo tem dado a quem está no Primeiro Mundo um montão de coisas (a maioria delas de valor marginal ou questionável) em troca das nossas almas, das nossas esperanças relativas às políticas progressistas e à possibilidade de um futuro decente para os nossos filhos.

Em poucas palavras, ou mudamos ou morremos – espiritualmente, politicamente, literalmente.

1. O CAPITALISMO É DESUMANO

Há uma teoria por trás do capitalismo contemporâneo. Dizem-nos que, porque somos animais gananciosos e egoístas, o sistema económico deve recompensar o comportamento ganancioso e egoísta, se queremos ter sucesso em termos económicos.

Somos gananciosos e egoístas? Claro. Pelo menos eu sou, às vezes. Mas também somos capazes igualmente de compaixão e comportamento desinteressado. Certamente podemos agir de modo competitivo e agressivo, mas também temos a capacidade de solidariedade e cooperação. Em síntese, a natureza humana abrange uma gama muito ampla de comportamentos. As nossas acções estão certamente enraizadas na nossa natureza, mas tudo o que sabemos sobre essa natureza é que ela é amplamente variável. Nas situações em que a compaixão e a solidariedade são a norma, tendemos a agir dessa forma. Nas situações onde a competitividade e a agressão são recompensadas, a maioria das pessoas tende a demonstrar esse tipo de comportamento.

Por que devemos escolher um sistema económico que mina os aspectos mais decentes da nossa natureza e fortalece os mais desumanos? Porque, dizem­‑nos, é assim que as pessoas são. Que evidência temos disso? Vejam como as pessoas se comportam, dizem­‑nos. Onde quer que olhemos, vemos ganância e perseguição dos interesses próprios. Então, a prova de que esses aspectos gananciosos e egoístas da nossa natureza são dominantes é que, quando forçados a um sistema que recompensa o comportamento ganancioso e egoista, as pessoas, com frequência, agem desse modo. Ora, isso não parece um círculo vicioso?

2. O CAPITALISMO É ANTIDEMOCRÁTICO

Esta é fácil. O capitalismo é um sistema de concentração de riqueza. Concentrando-se a riqueza numa sociedade, concentra-se o poder. Existe algum exemplo histórico do contrário?

Para todas as armadilhas da democracia formal nos Estados Unidos, todos compreendem que os ricos ditam as directrizes básicas das políticas públicas que são aceitáveis para a vasta maioria dos representantes governamentais eleitos. As pessoas podem resistir e resistem e, ocasionalmente, um político une­‑se à luta, mas tal resistência exige um esforço extraordinário. Aqueles que resistem conquistam vitórias, algumas delas inspiradoras, mas até à data a riqueza concentrada continua a dominar. É esse o modo de se fazer funcionar uma democracia?

Se compreendemos a democracia como um sistema que dá às pessoas comuns um modo significativo de participar na formação das políticas públicas, ao invés de conferir apenas um papel de endosso às decisões tomadas pelos poderosos, então é claro que capitalismo e democracia são mutuamente exclusivos.

Vamos falar concretamente. No nosso sistema, acreditamos que as eleições regulares, com a regra de uma pessoa/um voto, juntamente com as protecções da liberdade de expressão e de associação, garantem a igualdade política. Quando vou às urnas, tenho um voto. Quando o Bill Gates vai às urnas, ele tem um voto. O Bill e eu podemos ambos falar livremente e associarmo­‑nos aos demais para propósitos políticos. Portanto, como cidadãos iguais na nossa bela democracia, Bill e eu temos oportunidades iguais de exercermos os nossos poderes políticos. Certo?

3. O CAPITALISMO É INSUSTENTÁVEL

Esta é ainda mais fácil. O capitalismo é um sistema baseado na ideia de crescimento ilimitado. Na última vez que verifiquei, este é um planeta finito. Há só duas maneiras de sairmos disso. Talvez tenhamos a esperança de descobrir um outro planeta em breve. Ou talvez, como precisamos de imaginar modos de lidar com essas limitações físicas, inventaremos tecnologias cada vez mais complexas para transcendermos esses limites.

Mas ambas as posturas são igualmente ilusórias. As ilusões podem trazer consolos temporários, mas não resolvem os problemas. Na realidade, elas tendem a criar mais problemas, e esses problemas parecem estar a amontoar­‑se.

É claro que o capitalismo não é o único sistema insustentável que os humanos conceberam, mas é o sistema mais obviamente insustentável, e é aquele em que estamos entalados. É aquele que nos dizem ser inevitável e natural, como o ar.

O CONTO DE DOIS ACRÓNIMOS: TGIF E TINA

A famosa resposta da ex-primeira ministra britânica Margaret Thatcher a uma pergunta sobre os desafios do capitalismo foi TINA — There Is No Alternative [Não Existe Nenhuma Alternativa]. Se não existem alternativas, qualquer pessoa que questione o capitalismo é louca.

Outro acrónimo, mais comum, revelador da vida sob o capitalismo corporativo predatório é: TGIF — Thank God It’s Friday [Graças a Deus é Sexta-Feira]. É uma frase que comunica a triste realidade para muitos dos trabalhadores dessa economia – os trabalhos que fazemos não são recompensadores, não são gratificantes e, basicamente, não valem a pena serem feitos. Trabalhamos para sobreviver. Então, à sexta-feira, saímos e embebedamo­‑nos para esquecermos essa realidade, esperando encontrar alguma coisa durante o fim­‑de­‑semana que torne possível, na segunda-feira, conforme as palavras de um compositor, «levantarmo­‑nos e recomeçarmos tudo de novo».

É bom lembrar que um sistema económico não produz apenas mercadorias; produz pessoas também. A nossa experiência de trabalho molda­‑nos. A nossa experiência de consumir essas mercadorias molda­‑nos. Crescentemente, somos uma nação de pessoas infelizes que consomem milhas de corredores de mercadorias baratas, esperando placar a dor do trabalho frustrante. É essa pessoa que queremos ser?

Dizem-nos “Não Existe Nenhuma Alternativa” num mundo onde “Graças a Deus é Sexta-Feira”. Isso não parece um pouco estranho? Será mesmo que não existe alternativa a um mundo desses? Claro que há. Qualquer coisa que seja produto das escolhas humanas pode ser escolhido diferentemente. Não precisamos detalhar um novo sistema com todas as suas especificidades para percebermos que sempre existem alternativas. Podemos encorajar as instituições existentes que fornecem um sítio de resistência (como os sindicatos), enquanto experimentamos novas formas (como as cooperativas locais). Mas o primeiro passo é chamarmos o sistema por aquilo que ele é, sem garantias do que está por vir.

NO ÂMBITO DOMÉSTICO E INTERNACIONAL

No Primeiro Mundo, lutamos com essa alienação e medo. Frequentemente, não gostamos dos valores do mundo que nos cerca; com frequência, não gostamos das pessoas em que nos tornamos; muitas vezes temos medo do que está por vir. Mas no Primeiro Mundo, a maioria das pessoas come regularmente. E isso não acontece no mundo todo. Concentremo-nos não só nas condições que enfrentamos dentro do sistema corporativo predatório, vivendo no país mais rico em toda a história do mundo, mas coloquemos isso num contexto global.

Deixem-me voltar a um dado estatístico que referi no primeiro Last Sunday: metade da população do mundo vive com menos de 2 dólares por dia. São mais de 3 mil milhões de pessoas.

Eis outro dado estatístico que li recentemente: pouco mais de metade da população da África sub­­‑sahariana vive com menos de 1 dólar por dia. São mais de 300 milhões de pessoas.

Que tal mais um dado estatístico? Cerca de 500 crianças em África morrem de doenças associadas à pobreza, e a maioria dessas mortes poderia ser evitada com simples remédios ou redes tratadas com insecticidas. São 500 crianças – não por ano, não por mês, não por semana. Não são 500 crianças por dia. As doenças decorrentes da pobreza reclamam as vidas de 500 crianças por hora, em África.

Enquanto tentamos manter a nossa humanidade, estatísticas como essa podem deixar­‑nos loucos. Mas não venham com ideias loucas sobre mudar este sistema. Lembrem-se da TINA: não existe nenhuma alternativa ao capitalismo corporativo predatório.

TGILS: THANK GOD IT’S LAST SUNDAY [GRAÇAS A DEUS É O ÚLTIMO DOMINGO]

Reunimo­‑nos no Last Sunday justamente para sermos loucos juntos. Encontramo­‑nos para dar voz a coisas que sabemos e sentimos, mesmo quando a cultura dominante nos diz que acreditar e sentir essas coisas é loucura. Talvez todos aqui sejamos um pouco loucos. Então, certifiquemo-nos de estarmos a ser realistas. É importante ser realista.

Uma das respostas mais comuns que ouço quando critico o capitalismo é: “Bem, talvez tudo isso seja verdade, mas precisamos ser realistas e fazer o que é possível”. Por essa lógica, ser realista é aceitar um sistema que é desumano, antidemocrático e insustentável. Para ser realista, dizem-nos, devemos capitular perante um sistema que rouba as nossas almas, nos escraviza a um poder concentrado, e um dia destruirá o planeta.

Mas rejeitar e resistir ao capitalismo corporativo predatório não é loucura. É uma postura eminentemente sadia. Manter a nossa própria humanidade não é loucura. Defender a democracia não é loucura. E lutar por um futuro sustentável não é loucura.

O que é verdadeiramente loucura é crer na trapaça de que um sistema desumano, antidemocrático e insustentável – um sistema que deixa metade dos seres humanos do mundo na mais profunda miséria – seja tudo o que possa existir, tudo o que possa ser, tudo o que sempre será.

Se isso for verdade, então em breve não sobrará nada para ninguém.

Não acredito que seja realista aceitar tal destino. Se isso é ser realista, então direi que estou louco a qualquer dia da semana, a cada Domingo do mês.
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